A história deste filme, que podem encontrar no catálogo da Disney+ em Portugal, é muito simples. Bryyn (Kaitlyn Dever) é uma adulta que parece presa na sua adolescência. A casa onde vive sozinha parece recriar os seus tempos de então e os seus sonhos também parecem ter ficado presos num fatídico dia da sua pré-adolescência do qual nunca conseguiu sair e do qual pouco sabemos inicialmente. No entanto, o que ela não contava é que visitantes invadissem a sua casa e que esses visitantes viessem do espaço…
Vou fugir ao meu modelo habitual de críticas e vou direto ao assunto e aos méritos que me levam a considerar esta uma das melhores e mais surpreendentes experiências de ficção científica/terror dos últimos anos. Tudo assenta em três grandes pilares:
1 – Já vi vários filmes dialogue-free, ou seja, com muito pouco ou nenhum diálogo. Alguns resultam bastante bem (os filmes de Kim Ki-duk à cabeça), outros não passam de gimmicks bastante forçados. Poucos foram capazes de ser tão eficazes na máxima “show, don’t tell” quanto este filme.
Haverá quem considere este guião básico. É um erro. Não será um guião de 100 páginas, mas é perfeito para o conceito e meio em causa. Por algum motivo, alguém quer escrever um guião de cinema e não um livro e é assim que a história tem que ser imaginada, através de um excitante e super criativo uso do meio visual para contar a sua história. Além da forma como a história é conduzida sem nunca deixar dúvidas sobre o que estamos a ver e as motivações de cada personagem (incluindo os aliens!), os temas são superiormente incorporados, sem serem necessários as exposições de diálogo que hoje estão por todo o lado no cinema. O recurso nunca parece forçado até porque se considerarmos como a personagem principal vive, o silêncio tem sido sempre a sua palavra de ordem. Apesar da falta desse diálogo, o filme nunca perde tempo, atirando-nos rapidamente para a ação, sem muitas introduções, contando-nos mais sobre a sua história principal e sobre o passado da personagem – e temáticas do filme – com várias pistas ao longo do filme, sem nunca perder o seu excelente ritmo. Ainda assim, percebo os que sentem que a história do passado da personagem principal poderia estar um pouco mais trabalhada.
2 – A criação de suspense está a um nível Hitchcockiano. As premissas básicas estão cá. O evento catalizador – que normalmente é um som -, a procura pelo desconhecido, as ameaças, o confronto. Tudo feito de um modo tão clássico e aparentemente tão básico. Para tal, tudo tem que funcionar na perfeição e aqui resulta: design de som do melhor que se faz em qualquer género, com sons mais estridentes ou mais baixos sempre pensando no impacto que isso terá no espetador que é visto como parte integrante da experiência; banda-sonora que se adequa aos tempos pretendidos e ao momento que se vive em cena; uma câmara em movimento muito imaginativa, que nos atrai para ângulos e visões inesperadas; surpresas constantes, mesmo quando pensamos que esta história não é mais do que uma mescla do que já vimos em The Twilight Zone, The X-Files ou Signs. Os efeitos especiais – principalmente o design da criatura – podem ser bastante simples, talvez nem especialmente convincentes ou assustadores, mas isso ajuda a dar uma aura clássica charmosa a esta obra. Poderia ser uma obra da década de 80. E quem não gostaria de voltar aos 80s?
3 – A performance da atriz principal que está em praticamente todas as cenas do filme. Kaitlyn Dever é brilhante. Nunca lhe tinha reconhecido tamanho valor. Fiquei rendido. Num filme em que quase todos os méritos pouco importariam caso a personagem principal não fosse bem interpretada, Dever dá tudo o que tem com uma das atuações mais físicas e emocionalmente mais recompensadoras que tenho visto no cinema atual. Não é nada fácil o que lhe é pedido sem palavras. É incrível que tudo o que ela pensa, sente ou executa seja-nos contado sem que nada nos seja dito oralmente.
Há pontos extra para outros aspetos de No One Will Save You. Claro que recebe um ponto extra pessoal por tocar num dos temas que mais adoro no terror e ficção científica (extraterrestres e ovnis!). Recebe outro ponto extra por ter um final corajoso e arriscado que irá dividir cinéfilos e ainda mais aqueles que apenas são observadores casuais de filmes. Recebe ainda outro ponto extra por ter também “as bolas” de fazer o que muitos – a brigada do smartphone – considerarão ridículo (o filme é basicamente a loucura do terceiro ato de Signs!). Mas recebe a maioria dos seus pontos extras por homenagear os clássicos sem esquecer a sua originalidade. Se o conceito inicial – tanto a opção de dialogue-free como a invasão alienígena – fazem em muito lembrar o clássico episódio The Invaders (1961) de The Twilight Zone, são óbvias outras eferências a várias obras do passado, desde o já referido Signs (2002) até Invasion of the Body Snatchers (1956 e 1978), The X-Files (1993) ou até Gremlins (1984). Isto, claro, sem deixar de mencionar a clara influência do cinema de Steven Spielberg (talvez por isto o tenha adorado tanto!). Ainda assim, No One Will Save You é muito a sua própria coisa, nunca se deixando perder na sua panóplia de influências. Vai por caminhos inesperados e utiliza essas influências para homenagear e nunca para imitar.
Smartphone longe de vocês, zero distrações, luzes apagadas, ecrã e sistema sonoro adequados. Conselhos básicos para qualquer filme para qualquer cinéfilo que se preze, mas que aqui ainda ganham uma dimensão extra. No Will Save You não tem virtualmente diálogo nem precisa, pois é dos melhores alguma vez feitos a empregar a máxima “show, don’t tell”. A tensão é elevada ao máximo através de um criativo movimento de câmara, um incrível trabalho sonoro e de muitas surpresas a cada canto. Kaitlyn Dever tem uma interpretação fascinante num papel que muito lhe pede fisica e emocionalmente.