A ambição e singularidade de Nope

Jordan Peele é hoje uma marca poderosa. A forma como alguém que era conhecido pelos seus dotes de comediante conseguiu mudar um género totalmente diferente e transformá-lo em algo que fala a mesma linguagem de tantas pessoas que pouco se importavam com o género merece ser alvo de estudos. Mas, como diria, o Tio Ben, “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”. Será que Nope está à altura do legado de Get Out e Us?

Primeiro, todos os elogios do mundo para a forma como Peele não se acomoda. Seria fácil continuar preso à sua fórmula vencedora. Não o fez com Us, criando um filme bem mais enigmático e cínico no seu desfecho do que Get Out. Volta a não fazê-lo com Nope, onde nos traz algo que podemos chamar de “monster movie”, mas quebrando toda a tradicionalidade do género. Nope é, acima de tudo, um filme sobre família, sobre legado, sobre presas e predadores, sobre o mundo do espetáculo e sobre território.

Quanto ao género do mesmo, não vão para a sala de cinema a contar com um terror clássico – na verdade, essa sempre foi uma ideia errada em relação aos filmes do realizador. O género mais utilizado aqui? Eu arriscaria dizer que é o western. Não, não se fica por cavalos e deserto. Além do papel fundamental que esses elementos têm nesta obra, até a banda sonora escolhida – uma magnifica composição de Michael Abels – aposta fortemente no que é tradicional ao género. Claro que a ficção científica, os seus vários elementos e referências estão sempre presentes, embora sempre numa áurea muito mais de misticismo do que propriamente de investigação. E depois, só depois, o terror. Temos direito a alguns jumpscares, temos direito a algumas cenas de suspense poderosas e temos também direito a uma ou duas cenas mais pesadas visualmente.

A história, de uma forma bem resumida, fala-nos de uma dupla de irmãos, OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer) que, depois da misteriosa morte do seu pai, tentam gerir um rancho de cavalos treinados especificamente para o mundo do espetáculo. Depois de assistirem a uma estranha sucessão de acontecimentos, os irmãos percebem que algo paira nos céus e que esse algo não pertence a este mundo. Influenciados pelo passado ancestral – e de forma a vingarem a perda de lucros e fama negados a esses antepassados – os irmãos decidem que têm que ser eles a capturar a definitiva imagem que prova a existência de algo mais neste mundo. Esta dinâmica familiar é um dos pontos fortes de Nope, que nos mostra o quão diferentes os irmãos são, mas revelando também os laços que os ligam. Daniel Kaluuya faz um excelente trabalho como o introvertido e emocionalmente afetado OJ – aquele em quem o pai colocou todas as esperanças -, mas Keke Palmer é a verdadeira estrela, irradiando energia cada vez que entra em cena, com uma personagem bastante fácil de empatizar e torcer por ela.

Os irmãos têm a ajuda de um louco por aliens, técnico de IT, Angel e de um cinematógrafo, Antlers Holst, que procura o shot impossível, o que lhe irá imortalizar. É, no entanto, outra personagem secundária, Jupe (interpretado por Steven Yeun) que nos deixa mais intrigados e curiosos com o seu misterioso passado que envolve um chimpanzé domado que afinal não estava assim tão domado, algo que nos é mostrado logo na brilhante cena inicial do filme que conecta com um dos temas mais fortes da obra: “não podes domar um predador”.

Tecnicamente, Nope é uma verdadeira força da natureza. A equipa por detrás da fotografia – wow, Hoyte Van Hoytema! – e dos efeitos especiais são habituais colaboradores de Christopher Nolan e dá para perceber o nível de detalhe e precisão colocados em cada cena. Apesar de ainda considerar Get Out a sua mais consistente obra, Jordan Peele cresceu muito como realizador e como o homem que comanda todos estes elementos, sabendo fazer um bom uso da sua experiência e de maiores orçamentos, dando-nos aqui uma obra repleta de espetacularidade. Além da já referida banda-sonora, todos os outros elementos sonoros estão em grande destaque, em especial a mixagem do som.

Já vos cansei com os elogios, chegou a parte pior. Nope não é perfeito. Apesar de tematicamente muito rico e com muitas interpretações a serem feitas, estas não são tão claras quanto em filmes anteriores de Peele e espetadores menos atentos até podem passar totalmente ao lado delas. O ritmo lento da sua primeira metade também pode condicionar quem espera um filme de terror acelerado, embora, a mim, pessoalmente, me tenha incomodado mais alguma falta de desenvolvimento, quer em histórias paralelas, quer no passado de algumas personagens. Fala-se de um cut inicial deste filme de mais de 3 horas e eu adoraria poder ver isso…de qualquer forma, um filme que passado duas visualizações e dias de estudo, ainda me deixa a pensar nele e nas suas várias teorias, só pode ser algo que tem ser muito elogiado.

Nope mistura western, ficção científica e terror para criar algo único. As expetativas poderão condicionar a vossa experiência, mas Jordan Peele – tecnicamente mais apurado do que nunca – volta a oferecer-nos um filme recheado de simbolismo com várias cenas que entrarão para a história do cinema. Leva o seu tempo – e em simultâneo, queremos mais profundidade – mas o ato final deixa-nos de boca aberta com o alto nível de espetacularidade.


Nope
Nope

ANO: 2022

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 130 minutos

REALIZAÇÃO: Jordan Peele

ELENCO: Daniel Kaluuya; Keke Palmer; Brandon Perea; Michael Wincott; Steven Yeun

+INFO: IMDb

Nope

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