Foi adicionada recentemente ao catálogo da Netflix a antologia de curtas Oats Studios, selo criado pelo reconhecido realizador sul-africano Neill Blomkamp (District 9, Elysium).
Com sua realização de forte assinatura, Blomkamp nos convida a uma jornada por sua mente perturbada/criativa, num compilado de diferentes histórias conduzidas por diferentes abordagens, mas que formam uma unidade temática marcante, apresentando-nos universos inundados de morte e pessimismo.
O que mais impressiona no trabalho de Blomkamp é sua criatividade. Nada em seus projetos soa genérico ou sem inspiração: seus universos cyberpunk são únicos, peculiares e grotescos. Em Oats Studios isso não é diferente. Mesmo em seus “episódios” mais fracos, o cuidado ao criar cada mundo e a atenção aos detalhes desses universos fazem desses curtas um prato cheio para os fãs de ficção científica e fantasia.
No curta Rakka, conhecemos um universo paralelo ao nosso em que alienígenas reptilianos invadiram a terra, destruindo nossas cidades e subjugando nossa sociedade. Nesse capítulo, que é um dos melhores exemplares da antologia, mesmo com uma ameaça semelhante a criaturas do nosso planeta, o realizador consegue nos envolver com visuais, comportamentos e funcionalidades de natureza extraterrestre de extrema peculiaridade e singularidade. Esse curta nos faz refletir o quão longe podemos ir para garantir nossa sobrevivência, além de apresentar uma ameaça que tem como maior arma sua influência sobre nossas mentes, o que pode gerar interpretações interessantes do público.
Em Firebase, nos encontramos em 1970, durante a guerra do Vietnã. Soldados americanos têm de lidar com eventos inexplicáveis que vem acontecendo na área de combate, além de tentar combater um poderoso adversário que, assim como os apresentados em Rakka, tem influência sobre as mentes dos soldados. Essa ameaça, apelidada de Deus do Rio, é de longe o elemento mais impressionante do curta. Seu visual é único, assustador e inventivo, e traz consigo o sentimento de vingança, ou talvez punição, pelo dano irreversível causado pela guerra.
Cooking With Bill é divertida, mas não empolga. Nesse capítulo de abordagem oitentista, temos o compilado de quatro mini curtas que formam uma minissérie dentro da antologia, o que vem a se repetir em outros capítulos. Assistimos a episódios de um programa de auditório, onde os apresentadores fazem merchandising de inovadores produtos culinários. O forçado entusiasmo dos apresentadores e os resultados bizarros causados pelos produtos demonstrados no programa fazem uma clara crítica ao consumismo, mas apesar de divertir com o exagero e a mistura de humor e aflição, acaba cansando pela previsibilidade derivada da repetição da fórmula.
God: Serengeti/Chicago também é fraco. Deus (sim, ele mesmo, com barba branca e tudo) se diverte mandando seu mordomo interferir nas vidas dos humanos, jogando pragas ou criando furacões nas pequenas maquetes que habitam. É curioso ver um Deus 100% cruel, burguês e mimado, mas só isso. Não há nada demais aqui.
Zygote é aterrorizante. Há tempos não via uma atmosfera de terror tão eficaz em proporcionar desespero e aflição. É impossível não comparar esse curta com o clássico The Thing. Assim como no longa de John Carpenter, temos pessoas presas em uma base de pesquisa situada em ambientes polares (aqui, Círculo Polar Ártico) enfrentando uma ameaça mutante que absorve suas vítimas. Fotografia, iluminação e a banda sonora atmosférica são o ponto alto de Zygote, assim como o seu implacável e horrendo antagonista lovecraftiano.
Bad President: um presidente incompetente e despreparado só se preocupa em tirar proveito do seu cargo para curtir a vida. Não sei se a intenção aqui era fazer alguma crítica aos líderes mundiais que subiram ao poder recentemente. Só sei que é chato.
No compilado de dois curtas Adam, temos o ponto mais alto da antologia. Em O Espelho, ciborgues vagam em um mundo pós-apocalíptico à procura de abrigo. Em The Prophet, que se passa no mesmo universo, um profeta leva seus fiéis a abdicar de toda e qualquer tecnologia originária do antigo mundo. Identidade, melancolia, desespero e alienação por influência religiosa. Adam é duro, mas é lindo.
Gdansk se destaca entre os demais por deixar de lado o cenário cyberpunk e abraçar a fantasia medieval. O curta é breve, mas tem impacto. Seguido dele, assistimos a Praetoria Part One, que, apesar de voltar pro futurismo, demonstra uma unidade temática: o abuso violento de poder e exploração dos vulneráveis.
Kapture: Fluke mostra dois cientistas que testam novas tecnologias bélicas em presidiários. Devoção às armas. Desapego à vida humana. Kapture é revoltante.
São, ao todo, dez capítulos. Dez capítulos empolgantes, divertidos, melancólicos, intrigantes e revoltantes. Blomkamp me convidou para uma jornada, eu aceitei o convite e não me arrependi. Que jorna da. Que realizador. Que obra.