Revisualizando: As marcas que Oldboy deixou

Este mês chega-nos a nova obra de Park Chan-wook – Decision to Leave – e, portanto, é com naturalidade que o meu pedacinho de regresso ao passado só poderia sobre ele, um dos cineastas mais consagrados na arte do cinema. Oldboy é de 2003, já se passaram quase 20 anos, mas a sua relevância e influência ainda hoje se mantêm. Se nunca viram isto é inegável que vos falta uma página imprescindível para compreenderem os últimos 20 anos do cinema, portanto, arranjem forma de o ver…já. Esqueçam o remake norte-americano. Este é o filme.

A história fala-nos de um homem que é raptado e feito prisioneiro durante 15 anos sem poder sair de um quarto, sem poder ver o mundo à sua volta a não ser por uma televisão que lhe vai mostrando como a sua vida está também ela destruída fora daquele compartimento. Ele não sabe porque foi feito prisioneiro e também não sabe porque agora foi solto, mas percebe que alguém quer vê-lo pagar por todos os seus pecados. Mas quem poderá ser? Oh Dae-su foi um homem que fez mal a muita gente e meteu-se em muitas confusões, mas nada do que fez parece ter dimensões para originar tamanha sede de vingança.

Oldboy é um daqueles filmes que deixa marcas profundas em quem o vê. Isso acontece por vários motivos e não apenas um, mas sobretudo porque Park Chan-wook demonstra uma confiança inabalável no controlo de todos os elementos desta história. O argumento que começa por ser intrigante tranforma-se num inteligente jogo do gato e do rato que pisa em diferentes horizontes temporais – é preciso ir bem ao passado para perceber o presente. A edição transpira aquele tipo de originalidade que só poderia ter um de dois resultados: ou corria bastante bem ou bastante mal. A realização faz não só uso de um excelente trabalho na condução de atores – Choi Min-sik já tinha o seu peso no cinema sul-coreano, mas aqui abriu as portas a ser tudo – como nos apresenta alguns dos mais elaborados e inovadores planos, fazendo, entre outras coisas, uso de excelente coreografia nas cenas de ação e de inspirados close-ups quando nos quer transmitir mais do interior das personagens. A banda-sonora funciona sempre, fazendo uma perfeita mistura da utilização de melodias intemporais de música clássica e uma brilhante composição original, acrescentando valor épico ao que vemos em cena. E, claro, a imprevisibilidade e as inúmeras cenas únicas que nunca sairão das nossas mentes: o primeiro encontro com um ser humano passado 15 anos; o restaurante e o polvo vivo; a luta do corredor; a sequência no passado; as revelações e o seu incrível ato final.

O cineasta arrisca até na forma como desafia muitas das regras defendidas por uma série de entendidos e professores de cinema pelo mundo fora. Lembram-se quando nos dizem que narração e cinema raramente resultam? A narração está aqui sempre presente. Lembram-se quando nos dizem que flashbacks são de evitar, para usar em último caso e de forma curta? Aqui vamos atrás, no final do 2º ato, para uma viagem ao passado de oito minutos consecutivos. O curioso mas que já nem surpreende? Tudo isso o torna ainda mais grandioso, demonstrando que não há limites no cinema, como o seu impactante final o demonstra, atacando-nos a sensibilidade e causando até repulsa como poucos filmes o fizeram na história.

Com Oldboy, Park Chan-wook dá-nos socos no estômago com mais violência do que a personagem principal do filme o faz na famosa cena do corredor. Um dos melhores filmes da história que nunca pára de surpreender até ao seu poderoso e inesquecível final. Tudo aqui resulta e desde a sua estreia todo um mundo novo abriu as suas portas à grandeza do cinema sul-coreano.

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