Oranges Sanguines (ou a arte em não fazer sentido)

De longe me considero snob do cinema. De longe me acho elevado e rebuscado nos gostos e referências. Primo sempre por me colocar nos demais que gostam da arte da representação filmada, do cinema. Mas aqui tenho de traçar alguma precedência para constatar algo. Já vi esforçadamente coisas de Alejandro Jodorowsky, Ingmar Bergman, João César Monteiro e até Abdellatif Kechiche e com apreciação positiva e entendimento dos seus status. Este filme é sem dúvida o que mais me fez coçar a cabeça sobre as suas intenções, entrega e conclusão.

A complexidade nem é visual, nem é narrativa, nem está na edição ou estrutura.

A complexidade é-me remetida a outra questão que aproveito agora para colocar: se um filme se mostra vago no que quer dizer, isso é artisticamente rico porque abre o campo da interpretação e encaixa tantas perspectivas quantas as que se criem e a sua intenção é o perpétuo coçar de cabeça até que, caso exista, se esclareça o guionista ou realizador sobre o que pretendiam OU é artifício preguiçoso de pincelar com uma trincha grossa com tinta de “arte” a um produto final que passa por pretensioso e que a cisão é tal que ou se ama, ou se odeia, mas no fim é esquecido por não ter ponta por onde se pegue e quem o fez exclame rancorosamente “não perceberam o que fiz, indignos…”?

Oranges Sanguines é um filme francês que se vendeu como comédia dramática onde só me ri pontualmente pelas piadas mais óbvias por de entre o pano de fundo dramático numa realidade retratada não necessariamente triste pelo meio-envolvente ou pessoas que lá integravam as historietas.

Fora isso, até ter ido ver deliberadamente como se vendeu, estive completamente às cegas do que estava a ver.

Os diálogos típicos de cinema francês contemporâneo (que gosto muito) que emulam conversas e trocas de impressões orgânicas entre pessoas sobre determinados assuntos estiveram abundantemente presentes, o que também me deixou ligeiramente desafiado acima do filme comum, a estar atento ao que estavam a falar, porque facilmente daria por mim num qualquer dia no comboio com duas senhoras a conversar sobre o programa do Goucha ao mesmo tempo em que reclamavam sobre o cabelo colorido de outra rapariga que estava de mãos-dadas com outra rapariga de bigode e barba até ao peito.

A estrutura narrativa foi algo já visto noutros filmes de outros tons: basicamente algumas pessoas têm algo a acontecer nas suas vidas que as impacta atrozmente em que cada arco se liga a outro sem interferirem mútua ou directamente, ao estilo Babel ou 21 Gramas ou Amores Perros. E a semelhança é somente essa. Com tudo o resto sobre Oranges Sanguines, até agora estou a tentar fazer sentido para transmitir o que penso.

Nos dois primeiros actos, vemos o estabelecimento dos arcos de cada personagem ou conjunto de personagens nas suas respectivas bolhas e resolução desses arcos. No terceiro acto, é o descalabro. É karma em filme. Não há muito que explicar ou entender aqui. É ver e tentar assimilar.

Talvez ver de novo. Não. Ver de novo não é solução para entender algo porque isto foi contado de tal forma que o que é mostrado é o necessário para entender motivações e acções de cada interveniente. Ver de novo apenas serve para apreciar esta mão-cheia de nada. Mas é um nada tão real que o surrealismo está nos desfechos dos arcos. No terceiro acto que desfecha os outros dois actos.

Nada digno de destaque na cinematografia, nada digno de destaque na banda-sonora, no som, na representação. Nada de destaque em nada. Nada. O destaque é nada. Mas é uma cerca de hora e quarenta de rodagem de um nada que torce a cabeça como um cão confuso.

Impele a conversar com alguém no final sobre o que foi visto, mas não impele a convidar alguém para ver. Estou mais confuso do que estava ao iniciar este texto, mas não odeio a confusão que este filme me impôs. Não odeio este filme nem odeio o que me foi mostrado, como me foi mostrado e sob os contornos a que me foi mostrado.

É só uma experiência estranha e talvez a maior lição que retiro deste filme, desta experiência é aprender a aceitar o que é pelo que é em vez de tentar procurar o sentido, o subtexto em tudo, como se o sentido da vida fosse procurar sentido em vez de apenas viver.


Oranges Sanguines
Laranjas Sangrentas

ANO: 2022

PAÍS: França

DURAÇÃO: 102 min.

REALIZAÇÃO: Jean-Christophe Meurisse

ELENCO: Alexandre Steiger, Christophe Paou, Fred Blin

+INFO: IMDb

Oranges Sanguines

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