Pearl é o filme de Mia Goth

Ao inesperado sucesso de X, Ti West – o seu realizador – mostrou-se pouco surpreendido com o mesmo, ao anunciar de imediato uma prequela – Pearl – que até foi filmada simultaneamente com o primeiro filme. Quem viu X, sabe o que esperar daqui. Um slasher com imaginativas mortes, sexo e algum humor inteligente, certo? Nada disso, o cineasta trocou as voltas a quem tinha esssas expetativas e Pearl é um filme claramente do mesmo universo, mas uma obra muito singular.

A história fala-nos de Pearl, a velhota do primeiro filme, que nos mostra aqui como é que ela se tornou naquilo que mais tarde viemos a ver. É uma história bastante contida. Passa-se num pequeno horizonte temporal e toda ela é vista através da personagem que volta a ser interpretada por Mia Goth – que desta vez não precisou de se maquilhar para parecer (bem) mais velha. Pearl quer ser uma estrela. Pearl nunca teve oportunidade para o ser. O seu marido foi para a guerra e ainda não voltou e ela tem que se contentar com a sua monótona vida na nossa conhecida casa de campo que aqui ainda pertence aos seus pais. Quanto aos seus pais…estes também não ajudam muito. Se o pai não fala, não se mexe e em tudo se assemelha a um vegetal; já a sua mãe parece guardar dentro de si todos os rancores do mundo por estar presa a uma vida diferente daquela com que sonhou. Mas Pearl continua a sonhar em ser uma estrela.

Sabemos como Ti West gosta de construções lentas das suas histórias. Fê-lo com The Sacrament, fê-lo com The House of the Devil, fê-lo com X, embora neste último caso as jovens e divertidas personagens e as interações entre as mesmas fizessem com que esse primeiro ato passe mais rápido. Em Pearl volta a fazê-lo, mas eu diria que de um modo ainda mais paciente que faz mesmo lembrar o início da sua carreira. A partir daí percebemos o que ele nos quer dar com este filme: acima de tudo, o estudo e análise de uma personagem. Percebemos as suas motivações, as suas circunstâncias, os seus medos, os seus sonhos e entendemos como daí advêm as suas ações, mesmo que essa mesma personagem ande quase sempre no limites da razoabilidade mental. Isso só é possível fazer porque Mia Goth é uma atriz fantástica. Se já em X ela tinha sido a estrela com o seu duplo papel, em Pearl todo o destaque é dado à mesma, estando presente em todas as cenas do filme, com uma interpretação que, simultaneamente, nos leva a questionar as ações e sanidade da personagem, mas que também é sempre algo credível e muito bem retratado.

O filme irá desiludir quem espera um filme de terror. Os momentos mais interessantes não foram de terror. Pearl no cinema. Pearl na sua audição. Pearl num incrível monólogo perto do final. Não quero com isto dizer que não haja momentos pontuais onde vejamos toda a sua loucura a extravasar e sangue a ser disparado em várias direções, mas não é isso que o filme quer ser. Em termos técnicos, é outro filme que é muito belo de se ver, seja através de alguns interessantes planos de filmagem, através da sua fotografia – aqui os tons encarnados predominam e fazem todo o sentido – ou da edição que opta por muita transições que nos fazem lembrar os filmes antigos, enquadrando-se perfeitamente nesta obra.

Tematicamente, é um filme que até não se distancia assim tanto de X. A procura do sonho presente nas personagens principais de X está aqui sempre presente. Os desejos reprimidos de Pearl e a sua estranha relação com a sexualidade também voltam aqui a ter um grande destaque. O conflito entre tempos modernos e tempos antigos ou sociedades mais ou menos púdicas voltam a ser destaque. Mas tudo é feito através de uma ótica diferente. Se gostava de ter visto um pouco mais de cenas de terror e talvez um foco maior no suspense? Admito que sim. Ainda assim, tenho que dar os parabéns a Ti West por realizar uma obra tão diferente de X que cabe no mesmo universo e que é uma boa companhia a esse filme.


Pearl
Pearl

ANO: 2022

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 103 minutos

REALIZAÇÃO: Ti West

ELENCO: Mia Goth; David Corenswet; David Corenswet; Tandi Wright

+INFO: IMDb

Pearl

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