Verão de 2003. Apesar do seu razoavelmente grande orçamento – $140M -, as expectativas não eram animadoras para a grande aposta da Disney em live-action, com muitos analistas a antecipar um flop por diversos motivos: filmes de piratas não obtinham sucesso no cinema há vários anos; o filme era baseado numa atração de um parque de diversões; e, ainda, Johnny Depp era visto como um ator de filmes mais sérios e não como alguém capaz de liderar um grande blockbuster. Os números finais não enganam: $650M apenas nos cinemas, sem contar com todo o valor gerado noutros formatos, a venda de merchandising associado à marca e o lançamento de uma franquia de sucesso.
Quando o filme viria a ser lançado em Portugal – a 5 de Setembro de 2003 – estava quase a completar os meus 13 anos. Lembram-se dos 12, 13 anos? A vida está toda à nossa frente, os sonhos não têm limites e aquilo que domina o nosso pequeno mundo é a coisa mais importante do mundo. O que dominou o meu mundo durante muito tempo foi este primeiro Piratas das Caraíbas. Olhando para trás, não sinto qualquer vergonha em dizê-lo: nós “comemos” bem! A minha geração soube apreciar um blockbuster moderno, com todos os condimentos de grande filme e não apenas de filme grande. Do início ao fim, estes piratas prendem-nos com uma mistura praticamente perfeita de humor, ação e aventura, com recurso até a elementos sobrenaturais em inesperadas incorporações pelo mundo do terror.
A escala deste filme – e das sequelas que se seguiram, que nunca falharam nesse sentido, apesar da qualidade nunca ter acompanhado a do original – é daquelas que nos fazem dizer “este tens que ver no cinema”. Grandiosas batalhas recheadas de duplos e figurantes, um mar imenso e mais belo do que nunca que deveria servir de chapadão na cara a quem continua a teimar em filmar o mar em estúdio e não em paisagem natural e real e…um Johnny Depp a viver Jack Sparrow, uma personagem maior do que o mundo. O ator norte-americano não só demonstrou estar à altura do recado, como criou mesmo (sim, a escrita cria, mas o que vemos em cena pelo ator muito exige também do seu próprio processo criativo) uma das personagens mais memoráveis da história do cinema. É difícil imaginar Jack Sparrow, o bêbado mais divertido e sortudo – ou azarado – do universo, a ser vivido por outro ator e o próprio Johnny Depp nunca conseguirá viver uma outra personagem tão mítica quanto esta. É pena que a qualidade das sequelas tenha vindo a decrescer, tal como pena tenho daquilo que se tornou a vida pública do ator, o que nos impedirá de ver Jack Sparrow a envelhecer com a dignidade que merecia. Ou então não…afinal, a sua queda está até em consonância com aquilo que a personagem simboliza.
É impossível falar desta brilhante obra sem tocar em dois aspetos técnicos. O primeiro é a realização de Gore Verbinski. A mais imaginativa e enérgica realização no cinema de aventura desde os melhores tempos de Spielberg no género. Tudo feito com uma confiança inabalável e quebrando paradigmas do género. A ver o filme sente-se aquilo que o realizador provavelmente sentiu: isto vai ser adorado por todos! Também ele não voltaria a ter um sucesso tão grande, mas esse não é o caso de outro nome que quero destacar: Hans Zimmer. Junto com Klaus Badelt (que é, de facto, o compositor principal desta banda sonora), o galardoado compositor produziu uma banda-sonora épica, tão bem adequada ao filme que basta nos lembrarmos do mesmo para que o tema principal do filme fique por horas na nossa cabeça.
Quando revisitamos um filme da nossa adolescência há sempre uma forte nostalgia presente. Mais do que o filme, estamos a reviver sensações, sentimentos, pessoas e sonhos, o que nos pode toldar o julgamento. Fico feliz por este filme ter passado o teste do tempo. 20 anos depois (sim, eu sei, estamos velhos!), continua a ser um blockbuster cheio de identidade própria, divertido e uma aventura sem limites. Um pouco como aquilo que, enquanto adolescentes, sonhamos que a nossa vida adulta será.