Rabo de Peixe é um inesperado triunfo do entretenimento nacional

Um elenco jovem e atraente que parece saído dos Morangos com Açúcar. Sotaques que em nada se parecem com os de qualquer Ilha Açoriana. Uma história já mais do que vista em produções internacionais. Sim, também tive as minhas dúvidas e os meus preconceitos em relação a esta série. Quando comecei a vê-la foi por um misto de curiosidade e, acima de tudo, porque tinha-me comprometido a vê-la. No entanto, preconceitos existem para serem vencidos e Rabo de Peixe não poderia tê-lo feito mais eficientemente. 

A verdade é que todos esses preconceitos se revelaram verdadeiros. Continuo a pensar que o elenco em nada se parece com pessoal que vai ao mar todos os dias e que sofre na pele as dores de um local esquecido pelo mundo, continuo a achar que poderia ter sido feito um maior esforço de incorporação da cultura regional e continua a achar que nada aqui é especialmente inovador. E em nada ajudou nas cenas iniciais que o narrador – o enorme Pêpê Rapazote – vá-nos comandando com um português perfeito que mistura palavras inglesas perfeitas só porque sim. Bem, isto é explicado pelo perfil da personagem vivida pelo mesmo, mas ainda assim é…cringe (viram o que eu fiz?!), mesmo para alguém – como eu – que vive no estrangeiro há anos suficientes para o fazer. 

E apesar de tudo isto, terminei a primeira temporada de Rabo de Peixe (sim, espero que não fique por aqui) agradavelmente surpreendido e satisfeito com o resultado final. Há algo que salta inicialmente à vista de todos: os excelentes valores de produção. Não é algo a que estejamos habituados em Portugal. A utilização de diferentes técnicas de filmagem (ui e como os drones resultam tão bem neste cenário!) chega a surpreender mesmo quem está habituado a produções internacionais. Por vezes, Augusto Fraga faz coisas com a câmara que não são próprias do cinema ou televisão mais comercial (que é o que esta série é). A utilização das sombras, a utilização de cores vivas em contraste com o fundo escuro, a forma como a câmara se mexe…há aqui uma panóplia de recursos que funcionam muito bem também porque tudo está editado de um modo praticamente perfeito. Parece grande produção e é uma grande produção. 

Outro dos méritos que tem que ser dado a Fraga é a condução de atores. Uma das críticas que habitualmente aponto ao cinema português (e por arrasto, televisão) é que tudo parece demasiado teatral, percebendo-se a formação de base de quase todos os intervenientes. Não é aqui o caso. Pega-se num elenco jovem e nada habituado a produções do género e eles agarram esta oportunidade com tudo o que têm. José Condessa, Helena Caldeira, André Leitão e Rodrigo Tomás estiveram à altura do pedido, apresentando-nos quatro personagens complexas e – salvo pequenos alicerces a limar no aspeto dramático – bem construídas, mérito claro também de um guião bem construído. No entanto, seria injusto não falar de Albano Jerónimo e Pêpê Rapazote (sim, até como narrador, apesar dos estrangeirismos). Que monstros! Se há atores portugueses que poderiam entrar em qualquer produção global seriam estes dois. Sempre que aparecem em cena, comandam o ecrã, hipnotizam os espectadores e parece que absorvem toda a energia para si. Nota-se o seu peso em cada cena, nota-se que são como mentores para quase todos os outros.

Numa história que envolve um carregamento de droga que vai parar ao sítio mais improvável do mundo, Rabo de Peixe é muito eficaz na forma como entretém quem está em casa, mas poderia ter ido mais além noutros aspetos. Belos cenários, boa ação, rápida edição e momentos engraçados estão presentes em todos os sete episódios. Ainda assim, é no aspeto dramático que a série poderia ter ido mais além. Afinal, falamos de uma série de mortes e incidentes associadas ao acontecimento e, por vezes, isso poderia ter sido tratado de uma forma mais delicada e adulta. 

Aqui e ali poderia ter sido dada uma maior complexidade e negritude a uma história que parece apenas focar-se no valor de entretenimento, não querendo ser mais do que isso. Há várias mortes com muito menos impacto do que deveriam ter e há também um romance que cresce de forma demasiado rápida e pouco credível, principalmente face ao que se passou…meia hora antes. Esse é o maior defeito desta obra, aliando-se ao facto de explorar muito pouco da identidade regional e local no que poderia ter sido um excelente cartão-postal para um Portugal que até muitos de nós desconhecemos. Adorei ouvir músicas que não conhecia – e que belo trabalho é feito no campo musical, se bem que com uma escolha ligeiramente demasiado internacional – e adorei ouvir algumas expressões próprias da região. Mas foi pouco.

De qualquer forma, Rabo de Peixe é um inesperado triunfo. Ainda que coloque a internacionalização à frente da genuinidade regional e que tenha dificuldade em trabalhar os momentos dramáticos, é uma série com excelentes valores de produção, boas atuações e uma viciante história que, acima de tudo, sabe como entreter.


Rabo de Peixe
Rabo de Peixe

ANO: 2023

PAÍS: Portugal

DURAÇÃO:

REALIZAÇÃO: Augusto Fraga (Criador)

ELENCO: José Condessa; Helena Caldeira; André Leitão; Rodrigo Tomás; Maria João Bastos; Albano Jerónimo; Pêpê Rapazote

+INFO: IMDb

Rabo de Peixe

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