Raquel 1:1 é uma produção brasileira que não esconde ao que vem: vem para causar o pânico!
O filme fala-nos de Raquel que chega a uma aldeia com o seu pai – que é originário dessa terra – e que logo se interessa por um grupo de jovens religiosas que está ligado à igreja local. Num dos encontros com essas outras jovens, a recém-chegada expressa a sua opinião de que muitas das passagens da Bíblia não se coadunam com os valores do mundo atual e que a mesma deveria ser revista e reescrita, tal como tantas vezes aconteceu ao longo da história. Isto leva à ira de Ana Helena, jovem muito devota e filha de quem, de facto, lidera a igreja local. No entanto, muitas outras jovens acabam por concordar com Raquel e acabam por seguir a sua ideia, juntando-se num descampado perto de um rio local, reescrevendo a Bíblia.
O comportamento disruptivo de Raquel acaba por chamar a atenção dos maiores fanáticos religiosos daquela vila que acusam a jovem de bruxaria e de ter criado uma seita satânica, devendo ser parada a qualquer custo! Tudo isto acontece enquanto somos apresentados – aos poucos e de forma bem misteriosa – com parte do passado do Raquel que envolve a morte de sua mãe, percebendo também que algo de errado parece passar-se com a jovem.
Os primeiros dois atos de Raquel 1:1 são muito bons. É um daqueles filmes que estamos a assistir e ao mesmo tempo pensamos “uau, isto resulta mesmo!”. A atmosfera é sinistra, pesada e temos sempre aquela sensação de que algo de mal está para acontecer. Algo que tememos porque realmente nos importamos com aquelas personagens, sobretudo Raquel que é muito bem explorada e interpretada por Valentina Herszage. O filme é marcadamente uma das produções mais feministas desta edição do MOTELX – que, já por si, apostou muito neste tipo de produções – e consegue ao mesmo tempo não só atacar o poder que os homens ainda detêm sobre as mulheres, mas também atacar uma religião atrasada que parou no tempo, bem lá há séculos atrás. A forma como o filme conjuga as duas críticas e faz elas dependência uma da outra resulta bastante bem e faz todo o sentido, com passagens da Bíblia a serem lidas para nós para nos mostrar claramente que nada daquilo faz sentido, pelo menos, literalmente.
O problema de Raquel 1:1 é quando se foca mais nos seus temas e críticas sociais do que com a história que tem para nos contar. A crítica que já era feita à religião e ao sexismo estava perfeita, era clara e em concordância com a história. Não era necessário termos visto a história andar a seu reboque, o que começa a partir do momento em que uma personagem próxima a Raquel – já agora outra excelente interpretação, mas não quero spoilar quem é – tem um subplot desnecessário e demasiado forçado. A partir daí o filme não mais encontra a sua trama, torna-se previsível e, pior, parece que nos quer dar uma lição de moral. Foi uma opção questionável porque como estava já iria abanar bem com todos os machistas e fanáticos que por aí andam e com maior subtileza…Outro fator que adorava ter visto mais trabalhado são os aspetos sobrenaturais. O filme toca neles várias vezes e volta lá bem no final. No entanto, não os explora de forma suficiente e é pena porque sempre que o faz, faz muito bem, lembrando até filmes como Carrie a determinadas alturas.
Tecnicamente, a produção é muito boa. Há um som ambiente sempre pesado que cria a atmosfera certa, a fotografia é bonita e limpa e a realização tem alguns momentos de elevação, com cenas e planos muito bem conseguidos, sempre procurando um paralelismo com famosas imagens religiosas presentes nas nossas mentes.
Este é um daqueles filmes que tenho pena que não chegue às 4 estrelas porque estava a ir tão bem nesse sentido…Irei rir quando provocar a ira de fanáticos religiosos (mesmo os que não admitem ser) e de machistas (mesmo os que não admitem ser). Comete o erro de colocar a trama ao serviço do tema no seu último ato, mas tudo o que está para trás é de muita qualidade.