Entregue para a adoção ainda bebê e acolhida por um casal caucasiano da burguesia francesa, Freddie (Park ji-min) viaja para Seul na tentativa de encontrar seus pais biológicos. Porém, além de buscar preencher essas lacunas sanguíneas e afetivas, Freddie se vê perdida em um emaranhado de questionamentos e vazios muito mais complicados do que poderia inicialmente imaginar.
Retour à Séoul (Regresso a Seul) é extremamente intenso. Uma odisséia emocional e sensorial que faz da indiferença do público algo muito improvável. Encorpado por calorosos embates verbais e envolventes momentos musicais, o filme constrói uma narrativa de imprevisibilidades através dos oito anos de encontros, desencontros, ausências e insistências percorridos pela sua trama, que causam constantes aflição e desconforto com o caos que Freddie chama de vida.
Pois bem, Freddie em si é um caos. Uma órfã refugiada crescendo em meio a uma sociedade fisicamente divergente dela; uma estrangeira tentando se adaptar a uma realidade muito distante de si, apesar de sua ancestralidade, que a renegou e entregou aos cuidados de terceiros. Freddie parece não pertencer a lugar algum, nem a ninguém. Nada é simples para ela, e tudo é descartável ou substituível. Freddie foge de situações complicadas e conflitos como uma gata foge da água. Ao invés de encarar as coisas de frente, ela prefere simplesmente disfarçar a confusão e a dor com sua máscara de intensidade inesgotável, dançando freneticamente ao som de música alta, causando brigas com amigos por pouca coisa, ou simplesmente abandonando de vez aqueles que a rodeiam e tentam agradar com seu carinho.
Assim, parte importante da construção da personagem, a música agrega muito à psique de Freddie, e nos ajuda a tentar decifrá-la mais facilmente. A banda sonora de Retour à Séoul é magnífica: uma compilação de faixas de relação simbiótica, onde uma aproveita das características da outra para se completar, e manter o caos sonoro sob o maior controle possível. Das agitadas músicas de baixo tom que denunciam ansiedades, às desconcertantes músicas lentas de vocais etéreos que, com a calmaria, hipnotizam-nos e causam agonia, até as grandes explosões sonoras que simbolizam tudo o que Freddie guarda com unhas e dentes em seu âmago. A sonoridade de Retour à Séoul engrandece, ou melhor, completa a protagonista, a ponto de evitar o posto de quase vilania que insiste em assumir com toda sua antipatia sequelar.
Retour à Séoul impacta, mesmeriza e emociona com sua enorme jornada, tão temporalmente grande, apesar de pessoalmente interna. Uma trama paradoxal de quem busca intensamente pertencer a algo ou alguém, mas afasta a todos que ousam chegar perto demais. Uma história que confunde os significados das palavras “pena” e “indignação” incessantemente. Complicado, e de partir o coração.