Está na hora de acabar com a palhaçada! Venho por este meio expor a indignação que me assombra há anos desde que também eu caí no engodo juvenil de confiar na opinião propagada, papagueada e propagandeada até ter visto um filme que, sozinho, dá baile à esmagadora maioria de dramas de crime que têm vindo a ser tentados desde a hegemonia de O Padrinho.
Há uma tendência natural para a deterioração da qualidade de uma franquia quando a premissa tende para o mesmo ou pega em ingredientes suficientes para se considerar sequela da franquia, mesmo quando há a tentativa de se desambiguar ou procurar rumar para outra direcção e assim, perpetuar a marca para proveito comercial.
Não é isso que acontece com O Padrinho: Parte III! Muito pelo contrário!
Pretende dar desfecho a um arco de um homem, Michael Corleone, e todo o imaginário que o viu tornar-se em quem se tornou; aceitar relutantemente essa transformação e suas consequências; sem nunca abandonar o foco de encerrar consigo o ciclo de violência para si e para os seus, com o altruísmo de que todos à sua volta iriam beneficiar disso com ele.
O tom é diferente? Sim. E então? O tom de O Padrinho: Parte II tem muitíssimo pouco que ver com o tom do seu predecessor, e ainda assim ninguém se alheou de colocar este ao nível intrínseco artístico comparativo do primeiro.
A acefalia colectiva que se apoderou da opinião pública sobre Parte III só pode ser logicamente explicada pela vontade de multiplicar ainda mais os riscos tomados na Parte II que se atreveu a mexer com os dogmas de mestria na arte filmada e estatuto de vaca-sagrada que justamente se colocou Parte I, onde a aposta correu francamente muito bem.
Posso conjecturar também que Parte III é um filme fora do contexto do cinema daquele tempo quando a ansiedade em esperar 16 anos pelo desfecho desta poesia de gabardine e pistolas poderá ter criado expectativas saudosistas à franquia e expectativas de pipoca explosiva, desenfreada e frenética de azeite toscano e ragu bolonhês do imperante cinema de acção que caracterizou a década de 90.
Mas chega de tentar explicar sentimentos! Não sou psicólogo nem pretendo dar escapatórias baratas a quem sentiu e expressou sentir sem pensar no que sentiu e não expressou tal ausência de raciocínio.
Começo por desmistificar que O Padrinho nunca teve a ver com Don Vito. Nunca teve a ver com Tom Hagen. Nunca teve a ver com Sonny Corleone. Nunca teve a ver com Tessio, Barzini, Sollozzo ou Clemenza. Nunca teve a ver com Hyman Roth ou Fredo. Nunca teve a ver com Vincent, Mary ou Anthony. Teve tudo a ver com Michael Corleone e o seu entendimento de como teria de ser o tal para fazer cumprir o desejo do seu pai, pelos seus métodos, pelo seu entendimento do mundo e pelo pragmatismo analítico de quem estuda e se move no submundo caracterizado na perspectiva de fora para dentro.
Michael Corleone será para sempre uma das personagens melhor desenvolvidas e exploradas da história do cinema, principalmente porque foi bem escrito, bem interpretado, com tempo e cadência de três filmes para tal, com sustentação, com sentido, com lógica e com profundidade que Francis Ford Coppola extraiu com mestria da obra eterna de Mario Puzzo.
A minha alma fica completamente embrutecida de burrice e choque quando Carlito’s Way é em tese a mesmíssima coisa que O Padrinho: Parte III, excepto a bagagem de dois filmes, todo o crescimento do protagonista que tivemos o privilégio de assitir nesses dois filmes, o motivo e motivações que transcendem a vontade de um só homem sobre a sua vida, e foi melhor aceite e aclamado só porque Parte III teve o aparentemente tremendo azar de, só naquela, conferir um desfecho romântico, apaixonado, carregado de coração, com a sua dose sustentada e justificada de violência e trama de manobras e manipulações, a uma das melhores franquias de sempre da história da sétima arte.
Vá-se lá entender…