Originalmente agendando para Abril de 2020, a pandemia chegou e o filme viu o seu lançamento adiado para Julho desse ano. Julho foi também uma miragem e só em 2021 o filme viu a luz do dia. O hype à sua volta cresceu e cresceu. Visto no início de 2020 por poucas pessoas em screeners antecipados para a impensa, as críticas diziam apenas maravilhas, considerando-o revolucionário para o cinema de terror e verdadeiramente aterrador.
Na história, Maud (Morfydd Clark) é uma jovem enfermeira que chega à casa de Amanda (Jennifer Ehle), para desta cuidar, devido a uma doença terminal da dona da casa, que um dia foi uma dançarina de sucesso. Maud é uma devota, recém convertida, que parece levar essa devoção a certos extremismos. O estilo de vida boémio de Amanda é visto por Maud como uma das causas para o estado dela não melhorar e, por isso, Maud faz de tudo para a afastar desses pecados, acreditando na sua salvação. Entretanto, ficamos a saber que a devoção de Maud apareceu depois de um episódio infeliz, quando esta era enfermeira num hospital e…nada mais da história irei aqui contar, porque eu e spoilers somos os maiores inimigos.
Rose Glass realiza a obra e procura sempre dar à mesma um tom sombrio, místico, com filmagens numa cidade costeira britânica, procurando utilizar os locais junto à praia para alguns dos momentos mais introspetivos. Isso permite que o filme apresente uma beleza particular, fazendo um interessante uso da luz natural, especialmente quando a mesma está a desaparecer, dando lugar à noite, onde Maud, por várias vezes, se transforma numa outra pessoa. A realizadora procura criar dúvida nos espetadores, usando e – de certa forma – abusando do poder da sugestividade, sem nunca sabermos bem o que está a acontecer, mas pressentindo que algo está para acontecer. Será Maud “passada da caximónia”? Será ela uma extremista religiosa? Será ela uma santa? Estará ela possúida? Estará Amanda possuída? Irá Maud salvar o mundo? Ou irá Maud entrar em modo serial killer e destruir todos os impuros deste mundo?
Enquanto tentamos dar resposta a muitas destas interrogações, Clark dá-nos uma boa lição na arte da representação, alterando a sua expressividade e as suas atitudes de forma bastante convincente, de acordo com o acontecimento, espaço onde se encontra e as pessoas que a rodeiam. Por outro lado, à medida que o filme avança, Glass vai também exibindo as suas capacidades atrás da câmara, seja com alguns estilosos e tecnicamente competentes shots, pouco habituais no cinema de terror mais mainstream, seja através de algumas imagens bizarras o suficiente, para se perceber que a revelação está próxima. No entanto, essa revelação teima em não chegar. E é ai aqui que aponto as maiores falhas de Saint Maud. A certa altura, deixa de se acreditar que o filme vai chegar mais além como filme de terror, sendo uma melhor experiência se o aceitarmos como um drama psicológico perturbador, onde a personagem principal vive a sua devoção no limiar da racionalidade. Sempre com esperanças que o tal terror chegue. E como ele demora a chegar…
O terror gráfico, propriamente dito, dá a cara, apenas no clímax do filme, de forma eficaz, mas demasiado breve. Diria até que o excessivo jogo de paciência que nos é exigido ao longo do filme torna a sua conclusão, de certo modo, previsível, apesar das interessantes diferentes perspetivas apresentadas. É um filme que recomendo que seja visto, pelo menos, uma vez. No entanto, talvez o seu marketing não tenha sido o ideal ou, talvez, o hype não lhe tenha feito qualquer bem. Não entrará na minha lista de “filmes de terror obrigatórios”, mas poderá entrar na lista de excelentes desempenhos em dramas psicológicos.