Saloum é uma produção de terror senegalesa, algo que não estamos muito habituados a ver, mas, pela amostra, algo que não deve ficar por aqui.
A história do filme começa num país de língua oficial portuguesa. Na verdade até temos o prazer de ouvir um bem típico “filhos da puta” quando três mercenários resgatam um senhor da droga no meio de um golpe militar na Guiné-Bissau. Daí – e com o avião com problemas – são forçados a aterrar no Senegal, em Saloum, uma região cheia de misticismos, crenças e segredos.
O filme conquista-nos logo no seu ato inicial pela sua forte edição, pelo humor e, mais tarde, pela fantástica fotografia que nos apresenta, que fica mais exposta quando chegamos à acção na região senegalesa. Do ponto de vista técnico, esta é, sem dúvida, uma das obras mais impressionantes vindas do Continente africano nos últimos anos, sendo que quase todos os aspetos – exceção feita aos estranhos gafanhotos CGI no último ato – estão a um nível elevado. Isso inclui a realização, com inovadoras técnicas de filmagem e belos ângulos e também inclui ainda toda a componente sonora, com uma composição musical praticamente perfeita e totalmente enquadrada no misticismo da região.
Saloum é aquilo que se designa de genre-bending. Não há um género definido e o filme molda-se conforma se vai desenvolvendo. O que no início parece um filme de ação, envolve para o que parece uma espécie de western com uma grande componente cómica – e como a comédia resulta nos primeiros dois atos! – e só já depois da sua metade abraça o terror. E é curiosamente quando abraça por completo o terror que Saloum perde algum do seu misticismo. A partir desse momento o filme passa a ser pouco mais do que uma luta pela sobrevivência à luz do dia contra pragas sobrenaturais de gafanhotos que atacam os nossos protagonistas. O que faz com isso é aceitável. Algumas mortes convencem e marcam-nos emocionalmente. O facto de termos a luz do dia e o anoitecer permite também incríveis momentos visuais que parecem autênticas fotografias. No entanto, não apresenta a carga de terror que seria de esperar, nunca chegando a transmitir o medo e horror que esperávamos desta história.
Este é um filme também recheado de simbolismos, não há como negar. Há várias analogias e metáforas que se aplicam a toda esta situação, há várias cenas que nos fazem colocar em causa quem são os “bons” e os “maus” desta história e há vários flashbacks de um passado que, infelizmente, ainda continua a ser o presente de muitos. É óbvio que muitos desses simbolismos e analogias retratam um lado mais sombrio do Continente, mas Saloum consegue também, felizmente, transmitir muito do que é o surrealismo próprio de África, incorporado eficazmente muita da magia que faz deste um Continente tão especial e diferente dos demais.
Tecnicamente, Salou surpreende em quase todos os aspetos, com uma bela fotografia e excelente componente sonora. Sendo um filme que mistura vários géneros, acerta sempre no humor e também nas analogias que pretende fazer. Curiosamente, apenas fica ligeiramente aquém na componente de terror, onde esperava algo mais assustador e aterrorizante.