O cinema sul-coreano tem sido, por várias vezes, colocado numa caixinha, como se pudesse todo ser avaliado da mesma forma. Facto: a cultura sul-coreana teve um enorme boom com o surgimento da k-pop, com a chamada new wave do cinema coreano e através de um enorme esforço nacional na aposta de produções de qualidade e exportação do seu produto para diferentes públicos-alvo. Isso não quer dizer que Space Sweepers entre na mesma caixa que Parasite ou que qualquer um desses dois entre na mesma caixa de New World. Eu diria mesmo que muito do sucesso do cinema sul-coreano atual é a sua diversidade – andando de mãos dadas, cinema de autor, blockbusters, ou thrillers de elevada qualidade. No segmento da televisão, os chamados k-drama têm ainda a hegemonia e o seu público alvo ama-os cada vez mais, mas, até aí, recentemente a diversidade de temas tem aparecido com forte impacto, como no caso das séries da Netflix, Kingdom e Sweet Home, dois dos maiores sucessos internacionais da plataforma de streaming.
Seungriho, ou Space Sweepers, é uma produção arrojada. É vendido como o primeiro blockbuster espacial do cinema sul-coreano e é mesmo isso que é: uma ópera espacial, que podemos resumir como uma mistura de The Guardians of the Galaxy com Star Wars, não perdendo, ainda assim, a sua identidade sul-coreana. Tudo isto poderia ser uma receita para dar mal. Afinal, o cinema norte-americano – tão habituado a blockbusters espaciais – talvez ainda tenha uma taxa maior de insucessos do que de sucessos no campo espacial. A verdade é que a receita aqui resulta, num filme que também utiliza um interessante conceito para apostar na sua internacionalização: cada personagem fala a sua linguagem local e todos possuem um sistema tradutor, que traduz automaticamente, assistindo nós a diálogos com perguntas em espanhol e respostas em coreano!
Mas vamos a história: no ano de 2092, a Terra está quase a “dar as últimas” devido aos nossos erros e, quem por lá continua, procura formas de se pirar e ter uma vida mais calma e tranquila (sem lixo espacial a “cair-lhes em cima”, a qualquer momento) no espaço ou na nova esperança: o planeta Marte. Nós seguimos de perto uma equipa de “varredores espaciais”, que estão longe de serem os maiores exemplos de moralidade e bons costumes. Devido a várias coisas que correram mal no seu passado, todos eles têm as suas dívidas e contas a ajustar e o futuro da sua nave (uma sucata!) está cada vez mais em risco. Tudo muda quando encontram uma menina que é procurada por toda a gente, por ser um potencial perigo para a humanidade, passando o grupo a ser o centro de todas as atenções.
Não iremos explorar as voltas e reviravoltas nas quais os coreanos são, como habitual, especialistas. Podemos, no entanto, dizer que o tom leve funciona bastante bem, com várias piadas a serem introduzidas nos momentos certos, sem que com isso o filme se torne numa paródia. E sim, críticos de cinema: o público em geral não vive numa bolha na Califórnia ou em Cascais e continua a achar graça a piadas de bufas! Coisas da plebe, deixem lá.
Esse tom despretensioso do filme é que faz com que a audiência, em geral, se tenha identificado tanto com esta obra. Aqui não há 1001 explicações científicas, aqui ninguém se importa que explosões não se devam ouvir no espaço, aqui pouco nos importamos que o vilão principal seja unidemensional e pareça uma versão demoniaca do Elon Musk (ou será que o Elon Musk já é mesmo assim?). As atuações são boas (especialmente, as dos atores coreanos) e os valores de produção são altíssimos, com os efeitos especiais a não parecerem nada os de uma produção de valores que seriam perfeitamente banais para os padrões de Hollywood. Sim, os clichés do bem contra o mal estão lá. Sim, apela ao drama fácil em determinados momentos. No entanto, Space Sweepers é tão despretensioso na sua abordagem e aposta tão bem na sua componente de entretenimento, que é mais um triunfo do cinema sul-coreano, que abre aqui novas portas à sua internacionalização e à obtenção de novos públicos.