Quem (não) está surpreendido com esta escolha do meu regresso ao passado? Afinal, American Pie foge radicalmente daquilo que têm sido as minhas escolhas. No entanto, se há filme que marca uma geração esse é American Pie. Sim, o filme onde um adolescente coloca o seu pénis numa tarte de maçã. Esse mesmo.
Estávamos no final dos anos 90. Eu nasci precisamente em 1990. Se a memória não me falha, vi-o pela primeira vez próximo do verão de 2000, quando o mesmo estava disponível para ver em casa. Sim, eu ainda nem 10 anos tinha completos. Isto não é um filme para crianças, muitos de vocês dirão e com razão. Acontece que era uma época muito diferente e nem era assim algo tão incomum. Brincadeiras e piadas sobre coisas relacionadas com sexo – ou algo que pensávamos ser isso – é algo que me lembro desde bem mais cedo do que o ano de 2000, sim antes de ir para o ensino básico. Pelo acesso ao filme pode o meu irmão mais velho ser responsabilizado, mas ele nunca teve qualquer chance de o evitar: a gente conseguia tudo, de uma forma ou de outra! A verdade é que assim como o filme começa, com Jim a tentar ver um filme pornográfico que estava codificado na TV, assim me lembro de ter feito exatamente a mesma coisa várias vezes. E esse é um dos maiores méritos de American Pie: além do influente que veio a ser, foi um filme que entendeu muito bem o seu tempo, fazendo referências a várias situações que falavam a linguagem de qualquer adolescente ou pré-adolescente espalhado pelo mundo.
Nem tudo aqui é aceitável para os padrões atuais. Há coisas que envelheceram mal mesmo. A maioria delas, no entanto, não deveriam ofender absolutamente ninguém, mas o sentido de humor da humanidade é algo que também tem envelhecido carrancudamente e de uma forma muito feia e pouco saudável. De qualquer forma, ainda que sejam produto da geração Nutella, é sempre bom analisar os produtos do passado de acordo com o seu contexto, mesmo que seja apenas para se entender como o mundo mudou. American Pie é uma autêntica cápsula do tempo. Filmes de adolescentes e sexo existem há muitas décadas – The Graduate pode ter dado início a muito do que mais tarde vimos de um modo mais adolescente e mais estupidamente cómico em Animal House, Porky’s e…American Pie – mas se querem ver filmes do género sobre a geração nascida nos anos 80 ou – bem – no início dos anos 90, é American Pie que têm que ver. Ainda existem as revistas, mas a transição tecnológica já está a caminho. As nossas músicas, as nossas roupas, as nossas expressões. A geração precisava tanto de algo do género, algo que falasse a mesma linguagem de nós próprios que o filme fez em bilheteira 2000% do valor que custou! E isto sem falarmos de DVDs e, claro, de cópias ilegais. Ou como acham que a maioria dos pré-adolescentes viram isto?
É difícil medir o impacto de American Pie com números, mas é indesmentível para quem viveu a época e indesmentível ver como perduram os seus efeitos. MILF. Quem é que nunca viu este termo? Vá lá, deixem de ser aldrabões. Vocês todos – repito: TODOS – já visitaram sites pornográficos e já viram que existe uma inteira categoria assim denominada. MILF = Mother I’d Like to Fuck. O termo tem apenas duas referências obscuras antes do 1999. Consta que era um termo secreto utilizado em alguns círculos de adolescentes universitários. Com American Pie, o termo passou a fazer do vocabulário de todo o mundo, criando até uma categoria da indústria porno! Pois é, putos, agradeçam a quem veio antes de vocês que vos simplificou o trabalho!
Outra expressão que, invariavelmente, irão ouvir de mim ou de outro qualquer membro da minha geração é “This one time, at band camp (…)”. Não sabem de onde veio? Claro que veio de American Pie. E acreditem, todos nós nos lembramos do que ela fez com a flauta daquela vez naquele acampamento…E se falamos do impacto e do efeito bola de neve, é impossível não referir as suas sequelas e spinoffs, bem como uma imensidão de outros filmes adolescentes – de qualidade mais ou menos aceitável – que popularam os cinemas e os clubes de video nos anos seguintes.
É American Pie um filme perfeito? Claro que não. Mas é um filme com os pés tão assentes na terra e tão bem construído na sua simplicidade e linguagem adolescente que é por isso que nunca saiu de dentro de nós. Jennifer Coolidge ainda este ano mencionou American Pie ao agradecer o seu prémio numa famosa premiação da televisão. Ela foi, é e sempre será a mãe do Stifler! Eugene Levy, outro gigante da comédia que muito da carreira deve ao filme, também será para sempre o pai que com aquele jeito engraçado e desajustado terá sempre as conversas mais embaraçosas com o seu filho. E aquele grupo de amigos será para sempre…o grupo de milhões de amigos pelo mundo fora. Tal como muitos adolescentes, o sexo está sempre presente nas suas cabeças. Tendo todos uma personalidade diferente, a perda da virginidade é sempre um momento impactante das suas vidas. Mas mais do que isso, aqueles amigos representam o mais normal dos nerds deste mundo. Um mundo onde todos têm o seu espaço. Um mundo onde todos os que são diferentes se devem sentir iguais aos demais, onde a amizade e a camaradagem devem comandar, onde devemos aprender a rir mais de nós próprios. Porque a verdade é que…nada disto, que é a vida, deveria ser tão sério assim.
Respeitinho, putos: se vocês sabem o que é uma MILF agradeçam a American Pie! Ao mesmo tempo que é uma cápsula do tempo e o espelho de toda uma geração, foi e é um filme absurdamente impactante a nível cultural. Seja para todos os que o viram na idade certa, seja para todos aqueles – como eu – que o viram mais cedo do que deveriam. American Pie é de todos nós, Millennials!