Tetris (ou como não me sentir mal por ser usado pelo marketing)

Quem diria?… Um filme promocional que envolve corporativismo, espionagem, política, drama, comédia e ternura em conta, peso e medida que não me fez cuspir para o lado em desdém de fazer de mim o produto…

A esfera temática é videojogos. O tema é Tetris. A história é a sua origem. A inspiração vem de factos reais. Henk e Alexey reviram o guião e assumiram sem rodeios que muito do que passou para o produto final foi “embelezado”. Mas só fiquei a saber disto depois de ver. Continuo sem me sentir mal. Afinal de contas tive essa mesma percepção ao ver o filme.

Os primeiros 40 minutos da rodagem de pouco menos de duas horas foram vertiginosos. Tudo foi contado com a velocidade de nível 21 (para quem conheça o jogo). Fiquei um pouco assoberbado com o que me estava a ser contado, apesar de que a edição foi usada com sobriedade, alegria e equilíbrio ao diálogo expositivo do qual não sou o maior fã, por ser um tropo raramente bem usado. Aqui até correu bem e varreu do caminho o que considerou os tetrominós (para quem conheça o jogo) indesejados.

Depois disso, o filme encontra o seu conforto no desenlace da intriga com Moscovo como pano de fundo. O arco é bem conseguido e as peças móveis foram bem usadas. Mais calma a tentar colar Gorbachev ao Tetris. Acho que ele tinha coisas abismalmente mais importantes com que se preocupar…

Taron Egerton é bom actor. Está mais associado a projectos de alto relevo, os quais não me teceram particular interesse, pelo que fui positivamente agraciado pela qualidade da sua representação. Aqui, como Henk Rogers, foi bastante equilibrado no rol de emoções que foi desafiado a transpor para a tela. Fica-me difícil ajuizar ou contemplar algo mais que a representação de um homem ligado à indústria dos videojogos porque não o conheço, nunca vi entrevistas, não sei de trejeitos ou cadência discursiva nem manifestações de personalidade. Resta-me assinalar que neste filme, Henk tenso foi Taron tenso, Henk sagaz foi Taron sagaz, Henk resoluto foi Taron resoluto. O que não consegui nunca descolar da cabeça por todo o filme é que Taron Egerton dava um bom Peter Parker.

O restante elenco foi comprometido com a história contada. Nada digno de verdadeiro destaque ou roubo de cenas ou filme. Talvez atente a Nikita Efremov como outro íman de tela, mas depois de reflectir, é meio-batota que me sinta confortável a creditar um russo a fazer de russo competentemente num cenário de Rússia da década de 80.

A paleta de cores usada ajudou a esbater as localizações em green-screen tanto quanto pôde.

Acho facilmente evitável a gula em usar dos meios disponíveis, porque sim, para entregar uma risível parada militar com tanques de CGI.

A banda-sonora foi sóbria e evitou com alta competência o uso de efeitos de jogos. O tema foi, estava e era evidente, mas não ficou irritantemente evidente. Agradeço a sobriedade.

O que mais me fez (so)rir para além das piadas foi o a classificação etária do filme. Rated-R por dizer uns 5 “fuck” e ver sangue que mais parecia baton de 10 da manhã no Kaxaça,  lambuzado pelos lábios de uma gorda simplesmente contente por ter algo na boca, mesmo que seja a nossa cara, faz com que Logan, com a mesma classificação, tenha sido pensado e executado pelos pensamentos mais pútridos e obscuros que as fezes de Satanás poderiam conceber, como resultado de um all-you-can-eat de comida de rua em Nova Delhi, cozinhada com água do Ganges e refogada com unhas de um limpador de ouvidos ambulante.

O parágrafo anterior é mais rated-R que este filme. Dá que pensar.

No final de contas, Tetris cumpre com o que tem de fazer. Respeita a esfera dos videojogos, enaltece o tema Tetris, conta a história de pessoas, coisas e como se relacionam e colou factos a entretenimento sem muita purpurina.


Tetris
Tetris

ANO: 2023

PAÍS: EUA, UK

DURAÇÃO: 118 min.

REALIZAÇÃO: Jon S. Baird

ELENCO: Taron Egerton, Nikita Efremov, Oleg Stefan, Toby Jones, Anthony Boyle

+INFO: IMDb

Tetris

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