The Boys: Season 3 (ou quando se colhem mais laranjas para espremer mais sumo bom)

Garth Ennis tem o tropo favorito para se ter neste fantástico mundo actual de entretenimento filmado mascarado de arte que é o bukakke ocidental colorido e fermentado de nada que é o cinema de super-heróis: odeia super-heróis.

Tudo bem que isto é uma crítica à terceira temporada dessa série-sensação The Boys que, violando princípios próprios, estou a acompanhar ao mesmo ritmo que o resto do mundo em vez de me afastar vampiricamente do hype incandescente que é a voz do comum espectador, mas vou dar um lamiré em jeito de vénia a toda a série para fundamentar o que de concreto pretendo dizer sobre esta temporada.

O senhor supracitado é um guionista de banda-desenhada americano de ascendência irlandesa. Isto explica o meio onde tem vindo a operar com sucesso e a fonte dessa latente ira por algo. Graças a isso, tenho o privilégio de observar a manifestação artística desse ódio, recondicionada para streaming que é The Boys.

A premissa é simples.

Super-heróis não são esse pénis todo messianicamente eréctil que ejacula o mundo com actos sobre-humanos de heroísmo, não são esses mamilos túrgidos de excitação de elevada ética em prol da humanidade a que se colocam subservientes por uma servitude humilde e altruistazinha, de se colocarem a par do comum mortal ao invés do seu estatuto de factual superioridade, não são essa cocaína dada como adquirida de tão pura por cada linha aspirada por qualquer narina que se forme “savimbesca” de que tudo ficará bem, no fim… de um episódio… uma série… um filme… uma franquia…

Esta linguagem de pretenso mau-gosto, com proposto léxico elevado tem um propósito: tentar explicar The Boys por palavras. Se causou repúdio, perplexidade e despeito por mim, então Ennis ficará orgulhoso, mesmo que o preço tenha sido potenciais espectadores; subscritores; “clicadores”; leitores deste projecto de cinema e/ou a série. Mas hey: ganhos potenciais perdidos não são prejuízo. Não se pode perder o que nunca se ganhou.

The Boys pauta-se muito assim, a meu ver. Quem gosta, gosta e gosta a sério. Quem não gosta, vai reunir em barda contra o que quiser reclamar para reclamar e justificar o que não goste. Não vejo muito do segundo grupo, para variar. Aposto que existem, mas a versão em série fez o suficiente para estancar potenciais pulsantes reclamantes de reclamar. Convido seriamente a ler a novela gráfica (nome pomposo para banda-desenhada de finita tiragem) e a assistir à série para notar as diferenças. O que também torna a série boa é a escrita sóbria que suporta as diferenças e escolhas, tanto quanto para cruzar quadrados de uma lista de requisitos corporativos ou mesmo para encorpar actos do enredo que foram pensados e que funcionaram para o formato original.

A irreverência está tão em voga que ser verdadeiramente irreverente tem o condão perigoso de ser interpretado como extremista ou revigorante. The Boys conseguiu desde o princípio revigorar premindo pela irreverência, entrando de fininho com humor. Depois de nos fazer rir, criou-nos choque e prendeu a atenção que captou. Aí pôs-se a contar a sua história.

The Boys é empático porque mexe com muitos ingredientes de empatia: o povo contra o corporativismo, as desigualdades sociais, o fraco e oprimido contra o tirano e vilão, a atenção como nova moeda que vale mais que dinheiro. Embrulhem-se estes pastéis de nata em rábulas contemporâneas de palhaçada mediática e ganha-se mais tempo de episódio para estender as temporadas tanto quanto sobriamente se deseje.

Esta terceira temporada não foi excepção. Com o choque e apresentação da espinha-dorsal narrativa na primeira temporada cumpridos e com o desenvolvimento da premissa nuclear entre o gangue de Billy Butcher (Karl Urban) e os super-heróis encabeçados por Homelander (Anthony Starr), chega esta temporada que podia muito bem terminar com tudo através do embate final esperado.

Mas não.

Ainda há laranjas em armazém para continuar a espremer deste sumo bom.

Desenvolve-se o contexto mais atrás na cronologia para desatar e atar pontas do novelo até ao presente da série. Entretém, eleva a bitola e encurta as direcções para onde o enredo poderá ir sem se tornar enfadonho e a começar a engasgar-se dos sucos do seu próprio clímax.

Visualmente a série é consistente no uso de efeitos digitais, com sobriedade, com elevado humor que se blinda de que eu critique severamente alguns planos ou sequências mais farsolas e alcançáveis com efeitos práticos. Felizmente tem vindo a dessaturar o filtro amarelo-acastanhado com que apareceu como se quisesse evocar o tom cru de Watchmen de Zack Snyder e a banda-sonora mantém-se tão forte e consistente como no primeiro episódio.

O elenco é maioritariamente desconhecido, mas de elevada qualidade para o tom que o escritor da série Eric Kipke idealizou e emulou da banda-desenhada.

Jack Quaid como Hughie é o perfeito maricas fraco e quase obsoleto compasso moral para o furacão displicente Butcher. Anthony Starr é monstruoso no que escolhe fazer de Homelander como Super-Homem narcisista profundo que não olha a custos para obter o que quer, a menos que o que ele faça possa ferir a sua aprovação. Erin Moriarty como Starlight surge nesta nova vaga de actrizes prototipicamente loiras e bonitas com desesperante e clínica ausência de curvas (talvez uma das mais subversivas piadas desta série para a Marvel e Brie Larson) mas com forte potencial de representação e uma voz quente, sensual e poderosa que em nada se associa à anatomia da rapariga.

Há mais destaques a dar sobre o elenco, principalmente à personagem Billy Butcher, mas reservo-os quando dedilhar delicadamente mais texto sobre a quarta temporada.

The Boys é a melhor série do momento que entretém, não faz pensar nem quer fazê-lo, dá tudo sem dar directamente e não segura a mão sobre o que quer contar nem sobre como conta.


The Boys
The Boys

ANO: 2022

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: ~ 60min.

REALIZAÇÃO: Vários, escritor Eric Kipke

ELENCO: Karl Urban, Jack Quaid, Anthony Starr, Erin Moriarty

+INFO: IMDb

The Boys

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