Oscar Isaac é desafiado a representar com os olhos. Não desilude. Tye Sheridan é desafiado a mostrar alcance representativo. Não desilude. Tiffany Haddish é convidada a ser-me impingida pela goela abaixo. Não desilude.
“The Card Counter” tem um tom bem definido e demarcado. É intenso e sombrio. Paul Schrader (que escreveu coisas corriqueiras como “Taxi Driver” ou “Raging Bull”) aqui escreve e realiza esta metragem com pouco menos de 2h de duração. A espaços pareceu uma eternidade, qual travão ABS do ritmo da narrativa.
Este filme é um sundae de chocolate que sabe bem a cada colherada, mas no final deixa uma sensação de enjoo e vazio no estômago: não me apetecendo comer mais, sinto-me insaciado.
Oscar Isaac mostra novamente estar à altura do desafio deste personagem complexo, atormentado, em busca de resolução, expiação, que se segura ao que lhe resta de humanidade pelo rigor da rotina com travos obsessivo-compulsivos. A intensidade e profundidade de Bill Tellich/William Tell são empacotadas como uma delapidação do que já mostrou em “A Most Violent Year”.
O guião não lhe pede mais, e o que ele entrega é de franca qualidade.
Tye Sheridan contracena com Isaac acompanhando-o taco-a-taco nas emoções e diálogos. O personagem Cirk é um jovem adulto com tropelias profundas pela forma de como foi tratado na sua infância pelo seu pai (e camarada de Bill) e abandono da sua mãe desse clima desolador, estando estabelecida a entendível química empática entre ambos.
Tiffany Haddish é péssima. É comediante, mas Schrader não pretendeu comic relief neste filme. Por isso, porque lhe é pedido que represente, que se estima que o faça bem, que, entretanto, talvez, quiçá, provavelmente já terá sido paga antes da rodagem e sei lá eu que tipo de casting e orçamento comportam o filme para poder ter sido selecionada uma actriz, tive de levar com ela.
Esta trama de redenção de um, vingança de outro, que às tantas são ambos para ambos foi muito bem filmada. Há arte em captar emoções. Paul Schrader foi artista. O peso da introspecção é muito bem cortado com pitadas de glamour e excentricidade luminosa bem selecionadas e editadas para assinalar o que entendi como progressão dos actos.
A banda sonora soou-me a pretensiosa e muitas vezes sobre-utilizada para sobrecarregar a tensão de uma sequência que por si só já é tensa. Aprendam alguma coisa com os silêncios inquietantes obtidos em “No Man of God”, por favor!
The Card Counter não tem nada a ver com contagem de cartas. É um bom elemento ligador passivo de atmosfera e não me entristeceu que não se tenha centrado nesse tema, mesmo com todo o destaque a póker e blackjack e outros elementos afectos a casino. Há ANOS que um filme não me proporcionava um final completamente inesperado. Schrader esteve muito bem aqui e ganhou o meu respeito e curiosidade para com a sua filmografia apesar de ter explorado de menos os arcos dos protagonistas.
The Card Counter ganha esta mão com 3,5 estrelas no River quando eu tinha percepcionado bem menos devido à senhora que surgiu no Turn.