Uma cinebiografia requer muito mais que representações metódicas, polêmicas e atores cobertos de quilos de maquiagem. É necessário respeito pela história que se quer contar e, também, responsabilidade, pois, caso não haja cuidado, pode-se cair na armadilha da romantização da realidade na tentativa de envolver a audiência com suas personagens.
The Eyes of Tammy Faye (Os Olhos de Tammy Faye) acerta em muitos aspectos, e falha em poucos. Porém, infelizmente, tais falhas são significativas demais para serem relevadas e acabam por enfraquecer a conexão entre público e obra.
Mas, antes de discutir suas fraquezas, vamos aos pontos fortes do longa.
Esse é o filme de Jessica Chastain e ninguém tira isso dela! Que atuação magnífica! Jessica some em sua personagem, e isso não se deve apenas ao excelente trabalho de maquiagem. A riqueza está nos detalhes que mimetizam cada um dos trejeitos de Tammy Faye: está na sua voz, está nos seus maneirismos. Jessica demonstra muita paixão por sua personagem e se entrega de corpo e alma nessa performance que lhe garantiu uma nomeação à edição de 2022 do Oscar.
Se tu, assim como eu, conhecia nada além do que se repercutiu devido ao longa sobre a mulher representada por essa biografia antes de assistir ao filme, recomendo muito que corra atrás de entrevistas e demais resquícios audiovisuais de Tammy Faye. Tal exercício só faz engrandecer o trabalho de Jessica Chastain, uma vez que percebesse que a atriz compartilha, além de sua voz e fisicalidade, a mesma energia e presença de Faye em cena! É impressionante o resultado desse divino trabalho de atuação!
O elenco de apoio não fica atrás. Nomes conhecidos como Vincent D’Onofrio e o sempre ótimo Andrew Garfield compõe a equipe. Já estamos acostumados a ver D’Onofrio no papel do poderoso arrogante, mas um Andrew Garfield ganancioso e manipulador soa positivamente refrescante. Andrew vai de um jovem sonhador e carismático a um fraudador repugnante sem se perder em sua personagem, garantindo a coesão na construção do (aparente) bom homem que se corrompe (ou se revela) com o poder.
Agora, sigamos para o que não corre tão bem em The Eyes of Tammy Faye.
Não tive uma criação religiosa e hoje me entendo como agnóstico, mas, mesmo assim, não escapei de me sentir incomodado com a representação dos evangelistas nesse filme. Isso não serve para todas as personagens, mas o núcleo central da trama é de uma inocência quase infantil. Tudo bem, é sabido que por serem criados para manter sua fé sem questionamentos e negar tudo que vai em desencontro com suas crenças, pessoas religiosas podem se tornar mais facilmente influenciáveis e suscetíveis a manipulação. Mas o que não me desce bem é a insistência da narrativa em tratar o casal Tammy Faye e Jim Bakker como golpistas que fazem o que fazem em prol de um bem maior, sem ter noção da real gravidade de suas ações.
Para ser sincero, a ideia de que Tammy tinha, de fato, boas intenções e de que acreditava que os fins justificam os meios, faz sentido e funciona. Mas tentar convencer que Jim manipulava os outros simplesmente por que, antes disso, manipulava a si mesmo para acreditar que fazia o bem, quando simplesmente fazia encher os bolsos de dinheiro de fiéis, é difícil de engolir! Jim é um pilantra, e pilantra apenas!
A única decisão estúpida que compete com isso é o uso de orações em voice over. Ao usar narração para verbalizar as preces de Tammy Faye, o longa perde a oportunidade de usar do silêncio para causar emoção, e aposta numa ideia cafona que resulta em cenas extremamente piegas.
Entretanto, apesar de seus deslizes comprometerem bastante o filme, ainda é possível sair de The Eyes of Tammy Faye satisfeito. O filme cativa, revolta e emociona e, no fim das contas, se faz valer pelo competente elenco e pelo ótimo trabalho de sua atriz principal.