Emoção e muitos defeitos visuais em The Flash

Depois de anos de adiamentos, reescritas de argumentos, trocas de realizadores, e muitas polêmicas, The Flash finalmente fez sua estreia mundial nos cinemas. Sempre cercado de muitas incertezas devido aos diversos vai e vem ocorridos durante toda a produção do filme, The Flash vinha ganhando força na mídia com a repercussão super positiva que o filme andava recebendo das sessões teste e dos comentários de insiders da indústria, sendo, inclusive, extremamente elogiado pelo astro Tom Cruise, que aparentemente se impressionou com o resultado final da obra (leia mais aqui). O barulho foi tanto, que até mesmo parece ter abafado um pouco os escândalos envolvendo a estrela que protagoniza o filme, Ezra Miller. E, além de tudo isso, The Flash ainda contém outra importante camada de expectativas sobre si: seguido da bagunça criada pelos filmes anteriores do selo DC Comics, o filme carrega o grande fardo de corrigir os erros do passado através de sua trama de viagens no tempo, que envolve multiversos e diferentes linhas temporais, além de alinhar e organizar suas narrativas, e preparar o terreno para o novo universo compartilhado da DC, o DCU (DC Universe), comandado por Peter Safran e James Gunn.

Tendo tudo isso à mesa, eu não sabia bem o que esperar de The Flash. Fui à sessão de cinema coberto de incerteza, mas, acima de tudo, muita curiosidade. E, ao fim da experiência que, já devo antecipar, me agradou de um modo geral, fui tomado por uma grande preocupação: como apontar todos os pontos negativos do filme que, por sinal, são muitos, e muito notáveis, sem fazer parecer que The Flash é um filme ruim? Bem, pois aqui segue a minha tentativa.

Comecemos pelo que não funciona e, para já, tiremos o elefante da sala: os efeitos visuais de The Flash são extremamente mal finalizados. O péssimo CGI apresentado pelo filme já é alvo de críticas desde a divulgação dos primeiros trailers, mas, até então, havia a esperança de que a falta de qualidade da computação gráfica fosse corrigida até o lançamento oficial do longa. Pois, infelizmente, o produto que chegou aos cinemas beira o inaceitável. Bem, para ser justo, é importante ressaltar que há sim momentos em que o CGI funciona bem, mas, mesmo nos melhores visuais digitais que o filme apresenta, a sensação de estranheza se mantém sempre no ar. Cenas de ação envolvendo os Batmen e a Supergirl, por exemplo, são, na maioria das vezes, bem convincentes. Agora, quando o Flash entra em ação, o show de horrores começa! Nada funciona bem quando o protagonista exibe seus poderes. Os cenários pelos quais ele corre em alta velocidade não parecem nada genuínos, as pessoas se movimentando em câmera lenta parecem ser concebidas de massa de modelar, completamente desprovidas de texturas realistas. Além disso, a física é muito artificial, dando origem à uma ausência de peso nos corpos que afasta o público de um real senso de perigo ou urgência que as cenas de ação deveriam causar. Não é exagero quando digo que cheguei ao ponto de me contorcer na poltrona do cinema de agonia do que me era apresentado em tela. Nem mesmo o uniforme do super-herói escapa dos péssimos efeitos. O Flash tem seu traje de velocista coberto por um filtro digital que faz do seu uniforme vermelho o ponto central de todo o vale da estranheza contido no filme.

O mais revoltante de tudo, é ver as imagens do set de filmagens reveladas oficialmente pela produção do filme. Nessas imagens, podemos ver Ezra Miller fazendo uso do uniforme de sua personagem durante as gravações. Sim. Debaixo de todo aquele CGI exagerado, há um traje prático com peso e textura reais. Assim, fica a pergunta: qual a finalidade de cobrir completamente um uniforme funcional com um filtro digital desnecessário que só faz tirar o brilho do traje original?

Não sei bem como responder essa pergunta, mas algo posso afirmar com quase toda certeza: o realizador do filme, Andy Muschietti, não soube trabalhar bem com as habilidades especiais do protagonista do seu filme. A última coisa que as cenas de corrida do Flash transmitem é sensação de velocidade. As distorções dos cenários cobertos de borrões e o lento balançar de braços e pernas do herói, que muitas vezes é representado apenas por um bonecão de borracha digital, não convencem como a real demonstração de seu poder. Tudo parece uma abstração feita às pressas do real potencial visual que o velocista contém. Para ser sincero, a identidade visual dos poderes do Flash é muito genérica. A esfera temporal causada pela enorme velocidade do herói, que o possibilita viajar no tempo, por exemplo, é o conceito que mais me decepcionou em todo o filme. Quando o Flash entra em contato com essa sua habilidade, o caos artístico toma conta da tela. A bagunça plástica é tanta, que o que deveria ser o elemento capaz de encher os olhos do público, acaba sendo somente um compilado de ideias genéricas que não necessariamente conversam entre si, e que, aparentemente, só foram aceitas como recurso final pois não haviam ideias melhores para serem utilizadas no filme. O resultado de tudo isso é uma completa falta de conexão com as cenas de ação do protagonista, que protagoniza combates e feitos heróicos pouco empolgantes, e acaba se destacando negativamente em comparação com os demais heróis que dividem tela com ele, esses sim, muito interessantes e bem resolvidos em termos de ação.

Outro fator problemático de The Flash é a forma como abordam a versão alternativa do protagonista, Barry Allen, também vivida por Ezra Miller. O Barry alternativo é uma versão mais jovem do herói, portanto, mais imatura e inconveniente. O Flash regular por si só já é um sujeito exagerado e irritante, mas a abordagem melancólica de Ezra e o texto dramático do argumento fazem do Barry protagonista uma personagem relacionável, bem equilibrada entre o humor espalhafatoso e a profundidade emocional. Já o Barry alternativo é a caricatura pela caricatura, sem mais camadas ou complexidades, pelo menos até os momentos finais do longa. O Flash mais jovem é apresentado como um alívio cômico besta, mas a abordagem que o filme dá a ele é tão irritante e tão constante, que a personagem mais distrai e aborrece do que qualquer outra coisa. Tudo bem que, ao se aproximar do terceiro ato, o filme traz significado a todo o exagero da personagem, trazendo uma consequência catártica importantíssima para toda sua inconveniência, mas isso não apaga ou sequer justifica efetivamente o distrativo aborrecimento causado pela personagem até ali.

Mas, tendo citado o texto significamente dramático de The Flash, aproveito para partir para os elogios ao filme. Pois a componente dramática de The Flash foi justamente o elemento que mais me agradou na obra. Há pouco publiquei uma resenha sobre o filme Justice League: The Flashpoint Paradox, animação de 2013 baseada no mesmo material que inspira o filme contemplado por esta crítica. Naquele texto, trago como ponto negativo o pouco aprofundamento nos dramas pessoais e no potencial tema central apresentado pelo filme. Em The Flash, felizmente, o mesmo não acontece. Aqui, há um grande espaço do filme reservado para os dramas pessoais, traumas, e dilemas complexos que Barry Allen enfrenta. A relação do protagonista com seus pais, e o anseio por corrigir as tragédias do seu passado, são o coração de todo o filme, e não somente uma desculpa para jogar o herói na ação, como no filme de 2013. Há muito espaço para emoção em The Flash, e muito disso se deve também a sincera atuação de Ezra Miller, que é besta e exagerado quando precisa ser besta e exagerado, mas é também capaz de comover com delicadeza e sensibilidade quando isso é exigido de si.

E além do protagonista, The Flash tem também outras duas personagens de grande destaque: o Batman vivido por Michael Keaton e a Supergirl de Sasha Calle.

Quanto ao Batman, minhas suspeitas de que sua participação não se passaria de um gratuito fan service invasivo, que roubaria todos os holofotes do filme para si, estavam erradas. Michael Keaton custa a surgir na trama, e quando o faz, é muito bem encaixado. Não indo muito além do que já vimos nos clássicos filmes realizados por Tim Burton, o Batman de Keaton surge como a figura experiente responsável por auxiliar às personagens mais jovens em suas jornadas heróicas e emocionais. Keaton entrega um bom trabalho, e as cenas de combate de sua personagem são muito empolgantes.

Sasha Calle, a Supergirl, é o maior destaque em termos de atuação e cenas de ação do filme. De longe a personagem mais intensa do longa, a kryptoniana impressiona com sua presença de tela. O olhar penetrante, a voz cansada e o ar melancólico entregues pela atriz fazem da Supergirl uma personagem marcante. Sua presença nas cenas de combate também é notável, uma vez que, somada à muito bem resolvida noção de impacto e brutalidade causadas pela enorme força dela, sua instável e imponente postura em ação evidenciam toda sua intensidade dramática. Sasha Calle domina o filme sempre que em tela, e convence que um maior aprofundamento nos dramas de sua Supergirl só fariam agregar valor ao resultado final do filme.

Devo trazer elogios também à empolgante banda sonora do filme. The Flash conta com composições épicas, do tamanho da grande jornada enfrentada pelo herói em seu filme. Claramente inspiradas em bandas sonoras de clássicos filmes de ação e aventura, a música presente em The Flash não é nada extremamente memorável, mas cumpre seu papel como amplificadora emocional do filme, e cumpre bem!

Quanto à missão de resolver as fragilidades do passado universo cinematográfico da DC e abrir caminho para o novo DCU, The Flash faz um bom trabalho ao apostar no seguro. Ao fim da jornada do filme, a noção de que tudo é possível a partir dali fica bem clara. The Flash garante justificativas suficientes para sustentar qualquer decisão criativa a partir dos seus créditos finais. Se o filme for bem recebido em termos de crítica e bilheteria, ótimo! A DC segue com os elementos que foram estabelecidos nas cenas finais do filme. Se for mal recebido, paciência. The Flash fez o dever de casa, e mudanças radicais podem ser feitas sem ferir qualquer lógica de verossimilhança.

The Flash é um filme extremamente mal finalizado, que sofre com efeitos especiais feios ao ponto de se tornarem revoltantes e distrativos. Todavia, uma ótima componente dramática, personagens bem escritos e uma banda sonora épica fazem do filme uma experiência majoritariamente positiva. The Flash tem seus problemas, sim. Alguns bem irritantes. Mas o saldo final é positivo, e a grande aventura do velocista escarlate contagia e emociona de forma muito equilibrada.


The Flash
The Flash

ANO: 2023

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 2h 24min

REALIZAÇÃO: Andy Muschietti

ELENCO: Ezra Miller, Ben Affleck, Michael Keaton, Sasha Calle

+INFO: IMDb

The Flash

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