Nia DaCosta, realizadora e argumentista de The Marvels, certa vez descreveu seu filme como esquisito e bobo. O comentário visava ressaltar a despretensão do longa, que faz parte de um gênero que enfrenta saturação e uma certa síndrome de necessidade por grandiosidade. Dacosta tentou defender que seu filme devia se destacar por ser leve e despreocupado, e acho que ela não poderia estar mais ciente do resultado de seu trabalho.
The Marvels é fantasia em sua pura forma. É uma aventura boba, como a cineasta bem ressaltou, que não se apega à demais complicações para entregar diversão. The Marvels decide nos carregar através de algumas das soluções narrativas mais bestas e inventivas já vistas em qualquer produção do MCU. Assim, o filme de DaCosta conquista, pois o resultado final é uma jornada bem humorada, extremamente fácil e gratificante de se acompanhar, que tem, acima de qualquer construção para o futuro do universo Marvel nos cinemas, o objetivo de entreter e encantar o público.
Um planeta cuja população se comunica através de cantos e danças, gatinhos alienígenas usados como recurso para resolução de conflitos de argumento, e vestidos que surgem num passe de mágica, no melhor estilo dos filmes de animação da Barbie do início dos anos 2000, são algumas das escolhas ridículas e cativantes feitas por Nia DaCosta para contar a história de The Marvels. A trama do filme toma rotas tão imaginativas, que é inevitável desconsiderar que, se pensarmos demais em tudo o que acontece aqui, pouco faz real sentido. As coisas acontecem porque devem divertir, e não há a preocupação em fazer complexas explicações e criações densas de contexto para justificar quaisquer eventos. Entretém e empolga, portanto, se faz válido.
E o herói da vez na verdade são três heroínas, literalmente conectadas pelas similaridades de seus poderes, que formam um trio perfeito, nos agraciando com uma das melhores dinâmicas de personagens já vistas em um filme de super heróis.
A primeira é Carol Danvers, a Capitã Marvel, vivida por Brie Larson. Já estabelecida no MCU como uma das personagens mais fortes do panteão de heróis Marvel, Carol aqui enfrenta suas fragilidades emocionais e morais, além de problemas pessoais dos quais vive fugindo. Gosto de como humanizam sua imagem de deidade, e fragilizam sua postura de mulher imbatível.
Depois temos Monica Rambeau, a heroína que foge de codinomes vivida por Teyonah Parris. Monica carrega consigo ressentimentos de Carol e, por mais que o conflito não atinja grande profundidade, é interessante como o assunto se resolve organicamente, sem muito tempo para jogar conversa fora, em meio aos eventos frenéticos do filme. Monica é uma personagem imponente, que perambula bem entre a seriedade e a descontração, e o desenvolvimento de seu arco narrativo é dinâmico, sem exacerbação dramática, e satisfatório.
E por último, mas não menos importante, temos Kamala Khan, a Miss Marvel, fã número um da Capitã Marvel, vivida por Iman Vellani. A jovem atriz é, provavelmente, a melhor escolha recente de elenco feita pela Marvel. Além de ser praticamente a versão em carne e osso da heroína dos quadrinhos, Vellani esbanja um carisma transbordante e enérgico, que trás uma muito bem vinda jovialidade para o filme. A menina é ótima, e tem tudo para ser a cara do futuro MCU.
Mas, além do trio de protagonistas, devo destacar a antagonista de The Marvels: Dar-Benn, vivida por Zawe Ashton. Admito que, ao assistir aos trailers do filme, tive a impressão inicial de que a vilã se tratava de uma personagem inexpressiva e esquecível. Eu estava enganado. Dar-Benn é imponente, e tal presença é fruto de uma construção de personagem ameaçadora. Zawe Ashton impõe respeito em seus capangas, e medo em seus adversários, com uma prestação grave, de voz marcante e olhar penetrante e psicótico. Uma grata surpresa.
E quanto a realização de Nia DaCosta, não há onde pôr defeito. Seu The Marvels é dinâmico, enérgico, e muito criativo. DaCosta é ágil, não perdendo muito tempo com enrolações, e indo direto ao ponto. A comédia entra sempre no ponto certo, com tiradas rápidas e leves. Suas cenas de ação são plásticas, evitando exaustivos cortes em meio à ação, deixando a câmera fluir muito bem entre as personagens, garantindo-lhes uma fantástica sensação de velocidade e fluidez. A realizadora também brinca com diferentes firulas visuais, partindo, por vezes, as cenas em três, distribuindo a ação entre todas as protagonistas ao mesmo tempo. E a banda sonora também se destaca, sendo um alívio ver um trabalho sonoro do MCU ir além do básico. The Marvels tem sonoridade tensa, quando assim pede, mas traz graça com músicas divertidas, ora tocadas em tom de brincadeira, ora compostas por vocais chamativos. É, contratar Nia DaCosta certamente foi um acerto. Que a Marvel trabalhe com mais profissionais como ela no futuro.
E que a realizadora se encarregue de mais filmes de ação. Pois The Marvels não está aí simplesmente para provar que menos, às vezes, é mais, mas também para demonstrar que DaCosta entende de ação, e muito! Sou um grande fã de filmes de super heróis, e me empolgo muito com especulações acerca de novos filmes, e pontas soltas deixadas pelas obras para próximas produções. Todavia, ao sair de The Marvels, acima de qualquer expectativa implantada em mim pelo filme, o que dominava minha mente era a ansiedade de conferir o que a realizadora pode vir a apresentar ao público no futuro. DaCosta é uma linda cineasta, e seu The Marvels é uma deliciosa bobagem.