Austrália sempre foi excelente palco para representar tensão. Há algo de sufocante na imensidão quieta e estagnada do que os nossos sentidos percecionam como vazia pelo alcance dos nossos olhos. Onde Austrália se destaca é na ameaça à vida sempre à espreita nos detalhes e desatenções. Outra componente bastante pertinente para esta trama.
The Stranger filma muito bem este senso de tensão atmosférica, existencial, conflituada e sonsa.
The Stranger também se perde um pouco sobre qual a perspectiva a focar com mais ênfase quando me parece ser de uma personagem, mas depois de repente é sobre outra e ainda aí, pelo final do filme, aparentemente é sobre tudo, todos os envolvidos e os seus níveis de desenvolvimento centrados no acontecimento baseado em factos reais que serviu de premissa para o livro The Sting de Kate Kyriacou: o caso de Daniel Morcombe.
Há planos de alto requinte. A luz e escuridão foram muito bem utilizadas. A definição da imagem mesmo quando não é suposto, adiciona uma crueza polida, como que se nos fora entregue que observássemos claramente a imperfeição do que estamos a assistir. Altamente remissivo de The Power Of The Dog neste aspecto.
O som é fantástico neste filme. Como soa o meio envolvente é o que carrega, corta, exacerba e dilui das sequências absintas de personagens a contracenar sem uma palavra ou isolados.
Joel Edgerton está muito bem no papel de Mark Frame. É fortemente explorado o seu arco de agente infiltrado e de como a operação o afecta, mas nada disto é novo, nem a sua representação transcende o que já vi, quer deste tipo de arco, quer dele.
Sean Harris que enverga Henry Teague é qualquer coisa de indelével. Aterradoramente mundano, real, de uma banalidade inocente de um qualquer sujeito com que nos cruzemos na rua com aura mais esquecível, mas que, quiçá, secretamente adora zoofilia ou pinças de lagosta a entalar os seus mamilos, ou pior, assistir à Namorada do Agricultor. Nada disto foi um insulto ao actor. Ele é cativante por absorver a cena sem exigir de si isso. É uma prestação que não irei esquecer tão cedo.
Há mais personagens que se mostram preponderantes e com profundidade suficiente para serem interessantes no filme, mas que facilmente poderiam não existir sem que isso exponenciasse ou diminuísse a força ou estrutura da história. Como tal, não merecem menção pela mesma medida em que não foram exploradas.
Onde o filme me perde: a dispersão do sentido da coisa. Isto é território fortemente lamacento de spoilers.
Isto é sobre apanhar Teague? É. Isto é sobre quem Mark tem de parecer ser para apanhar Teague? É. Isto é sobre até ao último minuto Teague assumir ser quem toda a gente quer que seja para fechar o caso? É. Isto é sobre a espremedura de laranja mais anticlimática que já vi? É.
Entendo que o objecto em tese tenha sido este por vontade de quem o realizou e escreveu. Não quero dizer que não foi bom por não ser assim ou assado ou por não ser como eu preferia que fosse em detrimento do que é, mas a dispersão em tensão é um contrassenso que não aceito. Os ingredientes estão todos cá mas não acho que tenham tido mãozinhas para eles no tacho.