Como superar uma trilogia praticamente perfeita que muito contribuiu para cimentar o estatuto que Christopher Nolan hoje tem em Hollywood? A tarefa era muito complicada e poucas dúvidas existiam de que comparações iriam e irão ser feitas. Para se distanciar dessa trilogia, o realizador Matt Reeves faz algumas escolhas arriscadas e inesperadas.
Isso nota-se num Bruce Wayne mais depressivo e ainda mais reflexivo do que o vivido por Christian Bale. Nota-se, principalmente, no tom do filme. Se a trilogia de Nolan é por alguns acusada de ser demasiado sombria, o que dizer deste The Batman? Até a própria fotografia é um reflexo do mood do filme: tão escura quanto a nossa visão permita discernir. E o género escolhido? Bem, se na trilogia anterior a ação e o thriller convivem em harmonia, aqui o que temos é um thriller de investigação, um crime noir, que, ora faz lembrar Se7en, ora faz pensar em Chinatown, tendo até direito a momentos sádicos que nos fazem lembrar Jigsaw.
Quer isso dizer que este é um Batman menos fiel ao material de origem? Surpreendentemente, não. O Batman investigador, que junta peças de um puzzle, que analisa pistas ao pormenor, é algo muito mais próximo da BD do que antes visto no cinema. Se isso o torna num filme melhor ou pior é discutível, mas as escolhas mostram que havia claramente espaço para esta abordagem. O que aqui vemos não é o universo cartoonesco de Burton, nem o patético de Schumacher, nem o frenético de Nolan. É uma versão muito própria, sem medo de ser diferente. Sabe que tem que o ser para não ser apenas mais uma e é bastante bem acompanhada em todas as componentes técnicas. A já referida fotografia tem os seus momentos de brilho – há uma cena fascinante onde de um clarão vermelho emerge um Batman salvador, contrastando com a profunda negritude que o rodeia, mas também as várias cenas entre o cavaleiro das trevas e Catwoman em cima de prédios revelam-nos tonalidades bem definidas e inspiradas. A pesada escuridão nem sempre resulta, é certo – e tenho dúvidas de como resultará em casa – mas quando o faz, é um espetáculo lindo se ver. Outro dos grandes destaques é a banda sonora de Michael Giacchino, que acompanha todo o filme, marcando o compasso e a tensão pretendida, nunca nos deixando totalmente relaxados e assombrando-nos até depois dos créditos rolarem. Já agora, e falando de música, a forma como o filme explora o tema Something in the Way, dos Nirvana, diz-nos tudo sobre o filme que é e pretende ser.
Quanto ao elenco, Colin Farrell – totalmente irreconhecível como Pinguim – tem uma das melhores interpretações da sua carreira e Paul Dano dá-nos uma versão aterradora de The Riddler, de tão real e convincente que é. Andy Serkis, como Alfred, Jeffrey Wright – como o tenente James Gordon – e John Turturro, como Carmine Falcone, são outros nomes em bom plano, mas permitam-me também destacar Zoë Kravitz no seu ano de afirmação em Hollywood, que apresenta aqui a versão emocionalmente mais bem conseguida de Selina Kyle no grande ecrã. Mas, claro, falta falarmos de Robert Pattinson no papel de Bruce Wayne. É o meu Bruce Wayne favorito? Não. É, no entanto, um Bruce depressivo e pouco esperançoso que encaixa perfeitamente nesta história, sendo essas complexidades muito bem exploradas pelo ator.
Nas suas quase três horas de duração, o filme tem os seus problemas. O maior? O excessivo diálogo expositivo, especialmente durante o segundo ato. Há diálogos e cenas que poderiam muito bem ser alvo de um corte no processo de edição, tornando o filme em algo mais curto e coeso. Não é um dos casos onde a longa duração passa a correr. Aqui sentem-se as quase três horas. É também estranho que, com uma tão longa duração, vejamos tão pouco de Bruce Wayne e mais de Batman. Mas fica a questão que, várias vezes, o filme nos coloca: será que Bruce se mascara de Batman ou será a máscara uma fonte libertadora, mostrando quem realmente ele é?
A nível do diálogo, há interessantes trocas que serão lembradas por algum tempo, inteligentes referências ao material de origem e certos trocadilhos que colocarão um sorriso na cara dos fãs da personagem. Por fim, falando na ação, este é um Batman, que, mesmo não atingindo a escala de espetacularidade das adaptações imediatamente anteriores, consegue sempre convencer. Cenas como a da perseguição em contramão ou mesmo quando Riddler faz a sua jogada final, impressionam pelos seus efeitos e dimensão, havendo também espaço para bem ensaiadas lutas mano a mano.
Em suma, Reeves tem o mérito de mostrar que Batman pode resultar seguindo um caminho bem diferente do que foi anteriormente explorado por Nolan. Este é um Batman mais ponderado, mais investigativo e ainda mais sombrio, não tendo pressa em mostrar todas as suas cartas. Como primeiro filme de uma nova saga, passa o difícil teste com distinção.