Get Out, em 2017, marca um momento de viragem no chamado “terror negro”, trazendo para o seu centro uma audiência que sempre adorou o género mas que sempre deu mais ao género do que aquilo que lhe foi dado em troca. Sempre existiu representação negra no cinema de terror, mas é inegável que na grande maioria das produções das décadas anteriores, estas foram personagens estereotipadas e que raramente conseguiram sair vitoriosas. The Blackening – que se baseia numa Curta feita por um grupo de comediantes – é um filme que mistura o terror e a comédia, buscando inspiração num desses maiores clichés: o de que os negros morrem sempre primeiro. Acontece que em The Blackening todas as personagens principais são negras e isso dá-nos direito a divertidos momentos cheios de comentário social, lembrando-me, por exemplo, de uma divertida e relevante cena em que as personagens têm que decidir quem do grupo é a personagem mais negra, pois será ela a primeira a morrer, de acordo com as regras de um mini-jogo que têm que jogar.
A premissa do filme é básica e tantas vezes vista no género, em especial no sub-género slasher: amigos que estudaram junto decidem reencontrar-se passado vários anos e reúnem-se numa casa isolada. Os clichés são tantos que, antes à casa chegarem, claro que até páram numa lojinha e os poucos habitantes locais lhes vão lançando olhares reprovadores. Depois, chegados à casa, rapidamente percebem que há um jogo aterrador e mortal que são obrigados a jogar, sempre tendo que provar o quão negros são! É claro que os clichés aqui são propositados. Este é um filme que procura fazer pouco disso mesmo, tendo algo superior a dizer enquanto o faz. E fá-lo muito bem.
Comédias de terror – farto-me de o dizer – não são nada fáceis de trabalhar. A mistura de um género que nos deve proporcionar gargalhadas com outro que nos deve proporcionar uma maior tensão e medo não é o mais fácil de colocar em prática. Uma dose demasiado elevada de um dos elementos irá automaticamente canibalizar para si as atenções, devendo tudo ser feito com peso e medida. Felizmente, The Blackening quase sempre acerta nisso. Tem boas doses de humor – que nem sempre resulta, mas resulta na generalidade – e tem momentos de tensão elevada, sem nunca esquecer a relevância das suas mensagens principais.
É um filme que nem sempre acerta no seu ritmo e quando as personagem se separam – mais um cliché! – perde um pouco da sua chama. No entanto, nunca é um filme aborrecido e logo, logo nos consegue puxar de volta à ação, muito por conta das suas personagens carismáticas. Todas essas personagens têm uma identidade muito própria – a apelativa edição do filme, bem como certas passagens do diálogo até chamam a atenção para isso – e com todas elas passamos um bom tempo porque este é um elenco muito bem escolhido. Há aqui caras conhecidas – já vistas em obras como Dear White People, Insecure, Empire ou Snowfall – mas não temos aqui nenhum A-lister do cinema e isso acaba por jogar tanto a favor do filme, como destes atores que podem ter aqui uma merecida rampa de lançamento. Grace Byers (Allison), Antoinette Robertson (Lisa) e Dewayne Perkins (Dewayne) têm direito a grandes momentos, mas muito destaque terá que ser dado a Jermaine Fowler e o seu divertido e over-the-top Clifton.
Recheado de referências culturais e de alfinetadas à sociedade – incluindo algumas à comunidade negra em si – muito do que o que faz que pode até escapar a um espetador que menos se preocupe com o real significado das obras que vê, mas tem um excelente poder de revisualização para aqueles que queiram explorar novas linhas de pensamento, para quem queira colocar à prova e questionar determinados dogmas e para quem queira aprender algo enquanto se diverte.
Em suma, esta é uma das melhores comédias de terror dos últimos anos que se atira de cabeça a vários clichés do terror negro de forma inteligente e engraçada logo desde a sua primeira cena. Não é perfeito no segundo ato, mas tem surpresas guardadas para um último ato inteligente que fecha tudo com chave de ouro. Pela sua relevância cultural, geracional e pela forma como mistura momentos engraçados com momentos tensos, deverá fazer uma bela sessão dupla com Bodies Bodies Bodies (2022).