O trauma de The Boogeyman

Host, a primeira longa metragem de Rob Savage, foi um dos melhores filmes pandémicos e um dos melhores de terror em 2020. Mais tarde, Savage trouxe-nos Dashcam, um filme surpreendentemente fraco com uma personagem abominável no papel principal. Esta introdução é necessária porque pode explicar porque é que Savage escolheu este The Boogeyman: é uma aposta segura. 

A história do filme está – como tantas vezes vemos no terror – relacionada com o trauma. Sadie (Sophie Thatcher) e Sawyer (Vivien Lyra Blair) perderam a sua mãe de forma trágica e começam a ver o que ninguém quer ver no escuro. O pai, Will (Chris Messina), tenta fazer o que pode, ajudando quem o procura na qualidade de terapeuta, mas também ele a precisar de apoio para ultrapassar o trauma e perceber os seus novos papéis em casa.

Não esperem a invenção de seja lá o que for aqui. Nós já vimos esta história antes. Sabemos os caminhos e é relativamente fácil adivinhar qual será o desfecho. Se são espectadores que dão mais valor à resolução de um mistério, que acham que todo o terror tem que ser bastante assustador ou que queiram sempre ver algo de inovador em cena, esta não é, provavelmente, a obra para vocês. Mas às vezes sabe bem um bom arroz de cabidela caseiro, tal e qual a nossa avó o fazia: o conforto de algo conhecido, sem nada de novo, mas bem concebido.

O maior trunfo de The Boogeyman está, provavelmente, no seu elenco. Sophie Thatcher mostra que o destaque que tem em Yellowjackets não é fruto do acaso. Ela é a filha mais velha e é nela que o filme centra o maior arco emocional, pelo que seria obrigatório que ela mostrasse o que é preciso para nos convencer nesse papel. E mostra. As dúvidas, na verdade, ficam logo dissipadas numa das primeiras cenas, quando opta por vestir um vestido da mãe no seu regresso à escola, trabalhando muito bem a personagem e dizendo-nos logo tudo sobre ela, tanto na sua relação com o pai, como na relação com as suas colegas. Ao longo do filme, a sua personagem cresce e Thatcher demonstra sempre ter a mudança extra para dar o que a personagem necessita, seja mostrando-nos – sem um pouco que seja de exposição – quando está assustada, empenhada ou apenas confusa. 

Chris Messina, no papel do pai, Will, tem também uma boa intepretação, depois deste ano já ter sido um dos destaques de Air. A confusão que o mesmo sente em relação ao que a vida lhe deu é muito bem transposta para os espetadores e quando a conclusão o coloca no centro da ação a defender as suas filhas, o mundo que lhe resta, tudo se sente merecido. A jovem Vivien Blair, a viver a filha mais nova, também está muito bem, sempre um passo à frente de todos em casa e com direito a uma brilhante cena na sala estar enquanto a sua personagem vê televisão no escuro. Já nos papéis secundários, se David Dastmalchian dá-nos uma perturbadora cena na única vez que aparece no ecrã, é Marin Ireland, como Rita, que eleva o nível, com uma interpretação lunática e desequilibrada, própria de quem muito já viu e de quem já não mede meios para alcançar os fins. Que bom que é vê-la regressar ao terror depois do excelente The Dark and The Wicked!

Há problemas de edição no filme que dificultam o mais adequado ritmo. São pequenos pormenores, mas há cenas bastante bem executadas que não têm a cola adequada que lhes poderia fortalecer ainda mais. Recordo-me, por exemplo, de uma cena no hospital em que Sadie recebe uma chamada de Rita e decide que tem que se juntar a ela. Teria sido inteligente aproveitar o embalo e o crescimento do suspense para nos mostrar logo a cena seguinte. Mas não. Opta-se por uma cena entre Sadie e o pai, uma conversa sobre trauma, que teria encaixado bem melhor imediatamente antes do telefonema. Isto faz com que o filme – especialmente durante o segundo ato – não seja particularmente assustador, pois mesmo tendo boas cenas – e tem várias – a tensão nunca atinge níveis sufocantes.

Ainda assim, tecnicamente há aqui coisas muito boas, sendo de destacar o bom trabalho por detrás das câmaras. Por vezes, são surpreendentes as escolhas de Savage, desde a colocação da câmara nos sítios menos esperados, a cenas monocromáticas esteticamente apelativas, até a alguns recursos de câmara em movimento fora do tradicional, produzindo efeitos muito interessantes. Merece também destaque o trabalho que é feito com a criatura do filme. Há poucas explicações para o que, de facto, é ou como a mesma pode ser combatida. No entanto, sempre que aparece em cena é com direito a uma escuridão imersiva que faz um excelente uso do espaço negativo. E quando se mostra…nada mau! Bem construída e aterradora e – embora eu seja um maior fã de efeitos práticos – próximo do melhor que se pode obter com recurso a CGI. Além, claro, de tudo o que a criatura representa que vai bem além de “um monstro no escuro”, tema, aliás, que se adequa bastante bem à forma como a figura é utilizada em cena.

As minhas expectativas não eram altas, mas saí satisfeito com o que vi. Com Host, Rob Savage deu-nos um excelente filme pandémico. Depois, com Dashcam, deu-nos um mau filme pandémico. Com The Boogeyman, ele joga pelo seguro, contando uma história que não foge muito do esperado, mas incorporando interessantes técnicas de filmagem. Não é um filme particularmente assustador, mas o excelente elenco eleva os momentos emocionais e acabamos a torcer pela família contra uma bem construída criatura que simboliza muito mais do que aquilo que aparenta. 


The Boogeyman
The Boogeyman

ANO: 2023

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 98 minutos

REALIZAÇÃO: Rob Savage

ELENCO: Sophie Thatcher; Chris Messina; Vivien Lyra Blair; Marin Ireland; David Dastmalchian

+INFO: IMDb

The Boogeyman

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