The Reckoning é uma salganhada onde tudo corre mal

Neil Marshall terá para sempre o meu benefício da dúvida. Pelo menos, assim o pensava até ontem. No entanto, se continuar a apresentar-me obras com a qualidade de The Reckoning, a minha atitude para com ele pode mudar.

Mas vamos falar da carreira do próprio. Em 2002, o homem trouxe-nos Dog Soldiers, aquele que é provavelmente o melhor filme de lobisomens das últimas quatro décadas. Três anos mais tarde, foi a vez de The Descent, um dos mais claustrofóbicos e perturbadores filmes do qual tenho memória. Tudo aqui apontava para uma carreira de enorme sucesso no terror. Depois, Doomsday e Centurion desiludiram um pouco, mas são daquelas desilusões onde se nota a qualidade, não sendo filmes propriamente maus. Como é que, então, chegámos até aqui? Durante a última década, Marshall tem-se dedicado a realizar episódios de séries televisivas de grande orçamento (episódios de Black Sails, Game of Thrones, Hannibal ou Westworld constam no seu catálogo) e algures por aí, terá perdido o toque para o grande ecrã e para o que é necessário numa narrativa de longa-metragem. Regressou ao cinema em 2019, com o reboot de Hellboy que foi mal recebido por tudo e todos e agora regressa ao terror com este The Reckoning.

The Reckoning conta a história de uma jovem viúva que vive atormentada com o recente suicídio do seu marido, após ter sido infetado com a peste. Depois de rejeitar uma série de avanços sexuais por parte do seu senhorio, este acusa-a de feitiçaria e consegue convencer toda a aldeia do mesmo. Primeiro ponto: a cena em que, no bar, toda a aldeia chega a conclusão de que Grace é bruxa é uma das mais comicamente más que já tive oportunidade de ver. Por vezes, parei para pensar: será que isto não é uma paródia? Nada indica que tenha sido esse o objetivo de Marshall – até porque também seria uma paródia fraquinha – mas o nível das atuações é tão fraco ao longo das quase duas horas, que é impossível pensar que o realizador tenha cumprido o seu papel na direção de atores. Mas os problemas, claro, não se ficam por aí. Na verdade, eu tenho dificuldade em apontar algo positivo a este filme que procura mostrar a violência dos homens para com as mulheres nestes tempos medievais, ao mesmo tempo que nos traz alguns inconsequentes jumpscares, com direito a alucinações (ou não?) da figura do diabo nos sonhos da nossa protagonista principal. Já agora, o design dessa figura é, provavelmente, a melhor coisa deste filme.

A edição é do mais atroz que possa ser encontrado a este nível. Os inúmeros cortes rápidos só me provocaram dor de cabeça – nem todos são o Edgar Wright… – e nada aqui parece orgânico. Não me esqueço também do trabalho de make-up, com a nossa protagonista a usar, nos tempos medievais, maquilhagem como se fosse para uma discoteca em Ibiza. E o argumento? Estava-me a esquecer de falar de um dos mais importantes elementos de um filme? Se estava, parece-me que não fui o único a esquecer a sua importância. Nada aqui justifica um filme desta duração, o argumento resume-se a um boato num bar e uns flashbacks de fraca qualidade a enquadrarem-nos, a murro, com o passado das personagens. E é isso. De resto, o objetivo parece ser apenas o de vermos a personagem principal a levar porrada a torto e a direito, sem que saia muito magoada de qualquer situação. Aliás, com a tamanha carga de porrada que apanhou, e saindo como saiu de todas essas tareias, não admira que tenha sido acusada de bruxaria.

Não quero insistir muito nisto nem bater no ceguinho. O filme é mau. Há filmes que me fazer repensar se ver bastantes filmes é uma forma de empregar bem o meu tempo. Este é um deles. Quem diria que o homem por detrás de Dog Soldiers e The Descent, seria um dia capaz de nos fazer isto? Salvam-se dois ou três momentos. Perdem-se duas horas da minha vida.


The Reckoning
The Reckoning - O Derradeiro Julgamento

ANO: 2021

PAÍS: Reino Unido

DURAÇÃO: 110 minutos

REALIZAÇÃO: Neil Marshall

ELENCO: Charlotte Kirk; Sean Pertwee; Steven Waddington

+INFO: IMDb

The Reckoning

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