Há quem defenda que um filme – ou uma série televisiva – deve ser considerado bem ou mal-sucedido de acordo com o seu último ato e pela forma como “acerta na aterragem” (esta expressão soa bem melhor em inglês). Ainda que eu seja alguém que preza muito todos os fundamentos e passos necessários para uma boa narrativa – o que inclui a sua conclusão – eu não faço parte desse grupo. Eu acredito que se algo é bom por 90% do tempo, isso deve sobrepor-se a um final insatisfatório. Sim, continuo a defender que Game of Thrones e Lost estão entre as melhores séries televisivas de sempre, mesmo que os seus finais não tenham sido totalmente (ou parcialmente sequer) satisfatórios.
Esta introdução falando de finais – veja-se o contrasenso! – serve muito para me justificar já do que achei de The Royal Hotel. É uma viagem excelente. Nele somos colocados na perspectiva de duas jovens adultas que querem ainda ver muito do mundo antes de começarem a fase mais responsável e adulta das suas vidas, aquela fase que nos obriga a largas horas nos escritórios quase que esquecendo os prazeres da vida sem ser por algumas horas do fim-de-semana ou em escassas semanas de férias anuais. Todos nos conseguimos identificar com elas, pois mesmo que não tenhamos podido fazer essa espécie de “gap year”, todos gostaríamos de ter tido essa oportunidade. Hanna (Julia Garner) e Liv (Jessica Henwick) viajam para a Austrália e quando a vida de festas, álcool e curtes acaba com todo o seu orçamento, percebem que é hora de encontrarem um emprego durante algum tempo para poderem continuar a esquecer que existe um mundo de responsabilidades à sua espera. Para tal, ambas acabam por encontrar emprego numa região remota trabalhando num bar de uma comunidade mineira praticamente composta apenas por homens. E aí, como seria de calcular, nem todos os homens se comportam do modo mais adequado…
Não irei estragar a surpresa sobre como isto se vai desenvolvendo porque também não existe muito para contar. A viagem pela qual o filme nos leva é boa porque entramos naquele mundo e nem queremos muito saber onde a história nos vai levar, sendo tudo mais sobre vibes. Tudo isso resulta sendo suportado principalmente por dois grandes alicerces:
- Duas excelentes interpretações. Jessica Henwick está muito bem e Julia Garner ainda mais impressionante está. Henwick dá a Liv um certo mistério e fragilidade que não sabemos bem de onde vem, mas sabemos que tem origem em casa e no passado. Perde-se com frequência, é facilmente influenciável e o álcool tolda-lhe a visão. Já Garner é excelente no papel de Liv, mais receosa do mundo à sua volta, mas também muito mais segura de si e do que quer, divertindo-se, mas nunca perdendo o foco, tendo noção das suas responsabilidades. Nos papéis secundários, Hugo Weaving, Toby Wallace, Daniel Henshall e Ursula Yovich também estão sempre muito bem, fortalecendo esta história sobre pessoas imperfeitas, como todos o somos.
- A realização de Kitty Green. Num filme que muitos dirão que pouco se passa, Green apresenta mestria na forma como constrói o suspense e o mistério, adicionando elevados níveis de tensão e construindo de forma calculada e lenta uma trama que parece à beira de explodir a qualquer momento.
O grande problema de The Royal Hotel é que a sua construção e a criação dessa tensão é bem mais impressionante do que onde acaba por chegar. O terceiro ato sabe a pouco. Poderia ser o final de um segundo ato. No entanto, sabe a pouco face a toda a construção que foi antes feita, parecendo uma conclusão abruta e não suficientemente arriscada ou corajosa para nos dar algum maior impacto emocional que era exigível. Percebe-se o que faz e acaba com uma cena marcante, mas além de se pedir mais dramaticamente, deixa alguns sub-plots soltos e sem resolução.
De qualquer forma, o filme não merece ser escorraçado por isso. Ainda que o último ato não seja o mais satisfatório, a forma como tudo é construído merece muitos elogios. Julia Garner é uma excelente atriz e Jessica Henwick também dá aqui muito bem conta do recado. Elas vivem personagens muito diferentes, mas ambas nos fazem querer ver e saber mais sobre o seu mundo. A obra recebe ainda pontos extra pela forma inteligente e misteriosa como Kitty Green constrói a tensão deixando claro que irá existir um ponto de ebulição a qualquer momento.