Recentemente estudámos o fenómeno do terror social – Romero, Carpenter e Craven: O terror sempre foi político e social – e em como este sempre foi parte preponderante do género ao longo dos anos. Claro que os temas que se adequam a esta componente social têm, muitas vezes, carácter intemporal e outras vezes são mais característicos de específicas épocas temporais e é esse o caso desta obra muito adaptada ao que vivemos na nossa atualidade.
They/Them tem um título inteligente. No inglês faz todo o sentido, ao ler-se “they slash them”, o que faz uma clara menção ao género que o filme pretende ser – um slasher – bem como à temática principal do filme que nos conta a história de um daqueles quase impensáveis acampamentos de conversão sexual, onde ainda se procura forçar crianças e jovens a serem aquilo que eles não são.
Kevin Bacon é quem gere este centro, o homem que manda em todas as operações e que até se apresenta aos jovens de uma maneira bem mais aberta, flexível e progressista do que seria expectável. Mas claro que isto pode ser apenas uma fachada, certo? Bacon é mesmo uma das melhores coisas do filme dando-nos uma personagem forte e credível. Mas não é um filme que falhe propriamente nas suas personagens. A maioria dos jovens são carismáticos e têm a oportunidade de expor muitos dos problemas associados à temática, sendo especialmente de destacar Jordan (por Theo Germaine) e Alex (por Quei Tann) que vivem personagens não-binárias e transexuais respetivamente.
O primeiro ato do filme é bastante interessante. Contextualiza-nos com o “centro terapêutico”, com os seus funcionários, mas também com os jovens que estão, praticamente, todos ali contra a sua própria vontade. Há uma ou duas cenas com algum suspense/mistério interessante e há, acima de tudo, um bom desenvolvimento de algumas personagens. O filme falha quando deveria colocar a sua segunda mudança e interessar-nos no seu segundo ato. Tudo continua mais ou menos na mesma e apresenta-nos um conjunto de situações bastante forçadas reforçadas ainda por um diálogo pouco trabalhado, óbvio e até a roçar a lamechice. Pior, é aqui que They/Them demonstra que não tem qualquer força enquanto filme de terror, enquanto slasher, com pouquíssimas mortes e quase todas elas guardadas para a parte final. O terceiro ato é previsível, tenta ser demasiado condescendente para com quem assiste e demasiado na nossa cara, preocupando-se, mais uma vez, pouco com as componentes do género. Há um twist, mas vemos ele a milhas…
A nível de produção, não se pode dizer que haja algo que se destaque, mas há até uma boa utilização da câmara e uma interessante fotografia, a relembrar clássicos como Friday the 13th. Um abusivo uso de uma certa música da Pink – uma delas numa cena musical talvez demasiado ridícula – não estraga valores de produção que não são a principal falha deste projeto que cheira a projeto direto para o streaming – o novo direto para o vídeo – a cada canto, mas que cumpre tudo com relativa qualidade.
De uma forma geral, podemos dizer que They/Them tem ideias interessantes e começa bem com um confiante primeiro ato, não conseguindo, no entanto, definir o que quer ser, falhando totalmente como slasher e deixando muitas outras temáticas pouco trabalhadas. No final, é uma obra esquecível que fica longe de atingir o seu potencial de terror social.