Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem é excesso, quando deveria ser menos

Apesar de sua origem sombria nas revistas em quadrinhos, as Tartarugas Ninja ganharam fama como o divertido e colorido quarteto de heróis que protagonizam empolgantes aventuras voltadas para o público infantojuvenil. Desde sua estreia literária em 1984, os irmãos mutantes adolescentes já passaram por várias versões diferentes, protagonizando diversas séries de TV, filmes e videogames. E agora, é hora de as Tartarugas Ninja serem apresentadas para uma nova geração de jovens, através da mais nova aposta da franquia para as telas do cinema, Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem (Tartarugas Ninja: Caos Mutante).

Mutant Mayhem é prioritariamente voltado para a atual geração de jovens, então, está completamente inserido na cultura imediatista e tendencionista da atual era em que vivemos, onde as informações chegam em nossas mãos em utilissíssimos e ansiosos instantes. A abordagem do filme é inevitável e, é claro, indispensável. Não é só saudável para a obra que ela dialogue bem com seu público alvo, é também necessário. Porém, por mais que o filme se oriente pelo caminho certo, nem tudo funciona bem em Mutant Mayhem.

Mas comecemos pelos pontos positivos da obra. Mesmo que a minha versão favorita dos irmãos Raphael, Donatello, Michelangelo e Leonardo seja a da série animada de 2012, não há como negar que Mutant Mayhem apresente os mais energicamente autênticos adolescentes mutantes já vistos. Os irmãos aqui são ingênuos, bobos, ansiosos, barulhentos, imaturos, inquietos, curiosos… bem, são adolescentes! Finalmente temos Tartarugas Ninja que realmente convencem com sua juventude. É difícil não ser contagiado pelo carisma dos quatro irmãos, que nos divertem com suas constantes brincadeiras, comemorações pós combate, com danças e canções improvisadas, provocações e falatórios bestas que só poderiam sair de bocas juvenis. A personalidade do quarteto e sua dinâmica em grupo são, sem dúvidas, os elementos de maior destaque do filme.

O visual da animação também é ótimo. Mutant Mayhem é mais um derivado da escola Spiderverse. O visual tão característico dos filmes do Aranha Miles Morales é óbvia inspiração aqui, mas simplesmente imitar o inventivo estilo do sucesso da Sony não foi a opção da equipe de produção. Mutant Mayhem é, sim, muito semelhante visualmente a Spiderverse, mas o filme tem uma identidade própria muito marcante. Extremamente irregular, a nova animação das Tartarugas Ninja é repleta de distorções, e objetos e personagens contorcidas. É interessante, inclusive, como os seres humanos, com seus corpos desproporcionais e abstratos, apresentam aparências bizarras, que conversam muito bem com a visão que o quarteto de protagonistas têm dos seres da superfície. Mutant Mayhem é semelhante, mas único em sua própria maneira. Li um comentário online que comparava Tartarugas Ninja e Spiderverse com uma relação de primos próximos, e acho que a analogia faz todo o sentido.

O argumento é o que há de mais falho no filme, entretanto, existem boas ideias que devem ser ressaltadas. A primeira delas é a coragem de Mutant Mayhem em tomar liberdades em relação ao lore de Tartarugas Ninja. Não há hesitação em ressignificar ou simplificar (infantilizar, talvez) elementos do universo e história da série. Prefiro, em quase todos os casos, o que se vê em produções anteriores, como o sábio e sério Mestre Splinter, que aqui é transformado em um pai super protetor,  que funciona quase sempre como alívio cômico. E é justamente esta leveza e despretensão que também merece destaque neste texto. Mutant Mayhem não se leva nada a sério, agindo como um grande convite para que a criançada se sinta plenamente à vontade para fazer parte da brincadeira. Achei divertidíssimo, por exemplo, como retratam os noticiários no filme. Todas as notícias são transmitidas de forma boba e simplória, além de chegarem às diversas telas da Nova Iorque infestada de mutantes com a velocidade e precisão de um boato espalhado sem qualquer verificação. Sensacionalismo e desinformação são discutidos de forma leve e simples. Perfeito.

Agora, o que passa longe da perfeição, é a maneira com que Mutant Mayhem trata a exposição de seu enredo. É absurda a quantidade de obviedades e gratuidades ditas nesse filme. Acredito que não haja uma única cena em toda a duração do longa em que não seja verbalizado, com muita ênfase, o que se sente, se faz, se pensa ou acontece ao redor das personagens. Como já disse, os quatro irmãos são muito divertidos. São adolescentes, portanto, falam muito. Pois é revoltante o quanto a necessidade de se estar explicando tudo a todo momento faz com que cansemos de ouvir o que eles e os que os rodeiam têm a dizer. Se fala, e se fala muito! Sem pausas para descansar. Ao fim da sessão, me sentia tonto e com uma leve dor de cabeça, tamanho falatório desnecessário presente no filme.

Há, também, um excesso de referências pop em Mutant Mayhem. Citar outras produções, redes sociais e coisas do tipo pode ser divertido, e traz a produção para mais próximo de seu público e sua contemporaneidade. Todavia, o que acontece nesse filme beira o desespero para agradar. São referências, atrás de referências, atrás de referências. Na primeira vez, envolve e diverte. Depois de algumas mais, sentimos fadiga. Ao final do filme, o que era um fator legal e contextualizador, passa a ser exagerado e superficial. É cansativo e, sinceramente, decepcionante.

E por falar em excessos, aqui vai mais um. Mutant Mayhem parece simples, bem resolvido em sua pequenez, até que, ao chegar no terceiro ato, resolve explodir com uma batalha barulhenta de proporções épicas. O clímax é completamente desprovido de noção, e não poderia ser mais entediante. É uma completa decepção, pois, até então, o filme havia se mostrado excelente em termos de ação.

O último fator que veio a me desagradar não poderá ser discutido com muitos detalhes, pois precisaria avançar com os desfechos da narrativa do filme, e pretendo evitar spoilers. Devo ressaltar também que o que trago aqui não é necessariamente ruim, mas sim equivocado ou mal pensado pelas mentes por trás de Mutant Mayhem, ao meu ver. Acontece que o desfecho de algumas personagens secundárias, importantes antagonistas na história da franquia, e o destino final dos próprios protagonistas, toma rumos precipitados para quem deseja avançar com uma nova franquia de filmes. Posso dizer, sem estragar surpresas, que o encerramento de Mutant Mayhem é tão conclusivo e satisfatório, que fica difícil enxergar o que mais pode ser aproveitado dali para frente, além de personagens clássicas que ainda não deram as caras. Ao rolar dos créditos, pensei estar satisfeito com a jornada que havia presenciado, e que não havia mais nada no futuro das Tartarugas Ninja daquele universo que me fizesse querer voltar para visitá-las. Sendo otimista, espero um dia olhar para trás e dar com a língua nos dentes.

Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem é visualmente lindo e divertidamente jovial. Os quatro irmãos ninja, Donnie, Raph, Leo e Mickey, são puro carisma, o coração do filme. Uma pena o argumento não aproveitar a essência simples do projeto, e abusar de excessos que fazem de tudo o que há de legal no filme, algo repetitivo, gratuito e cansativo. Não enxergo necessidade de sequências após sua conclusão, além da surpresa trazida nos momentos finais do longa. Entretanto, caso venha (e é muito provável que aconteça), que o faça com mais foco no que realmente importa.


Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem
Tartarugas Ninja: Caos Mutante

ANO: 2023

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 1h 39min

REALIZAÇÃO: Jeff Rowe, Kyler Spears

ELENCO: Micah Abbey, Shamon Brown Jr., Nicolas Cantu, Brady Noon, Jakie Chan, John Cena, Seph Rogen

+INFO: IMDb

Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem

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