Em antecipação à estreia do novo filme das Tartarugas Ninja, Pedro Pires, coordenador de escrita da Fala Visual, e eu, discutimos quais produções do passado da franquia devíamos revisitar, ou mesmo visitar pela primeira vez, antes de conferir Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem (Tartarugas Ninja: Caos Mutante). Então, ao ser abordado por ele para discutir o assunto, me ocorreu que minhas memórias dos clássicos filmes live-action eram escassas, chegando ao ponto de nem mesmo me lembrar se houvera um dia assistido aos filmes por completo. Não sou grande fã da franquia, apesar de suprir carinho pelas personagens e seu universo. Então, decidi corrigir isso, e fui correndo maratonar os três filmes dos anos 90. E, é claro, tal experiência não podia deixar de render um texto aqui para o site.
Este Revisualizando vai ser diferente, pois não trarei apenas um filme neste texto, mas sim toda a trilogia Tartarugas Ninja dos anos 90! Teenage Mutant Ninja Turtles (Tartarugas Ninja), Teenage Mutant Ninja Turtles: The Secret of the Ooze (Tartarugas Ninja: O Segredo da Lama Verde) e Teenage Mutant Ninja Turtles 3 (Tartarugas Ninja 3). Um pacote repleto de carisma e entretenimento descompromissado. São todos bons filmes? Não. Os dois primeiros funcionam muito bem, enquanto o terceiro é extremamente desconjuntado. Todavia, a experiência não estaria completa se não assistisse a todos os filmes, e tampouco estaria este texto se decidisse deixar de citar o patinho feio da trilogia.
As Tartarugas Ninja dos anos 90 são produtos de uma era antes das grandes produções repletas de CGI. Uma era em que os efeitos práticos dominavam. Tudo era palpável e crível. Havia real peso e presença nos elementos fantásticos que entravam em cena. As Tartarugas Ninja eram convincentes enquanto criaturas mutantes vivas? Não, é verdade. Os quatro irmãos adolescentes eram claramente seres humanos cobertos por fantasias. Mas o importante não é o quão realista as personagens eram, e sim poder perceber que elas realmente faziam parte do universo do filme, tocando e se integrando naturalmente aos cenários, diferente do que fazem os modelos digitais 3D, que são inseridos posteriormente como uma caríssima maquiagem poligonal.
Não quero criar aqui um discurso anti-CGI, não me entendam mal. Não sou contra o uso da tecnologia e, inclusive, adoro quando os recursos digitais são usados de forma efetiva. Porém, devo defender que há um diferencial, um charme nos efeitos práticos que os efeitos visuais digitais jamais poderão alcançar. Estou falando de textura, densidade. Um modelo em terceira dimensão pode simular isso, mas jamais poderá criar a mesma experiência.
E que experiência! A nostalgia de ver bobalhões de borracha correndo e dando piruetas de um lado para o outro, fazendo piadas super infantis e bobas, é como voltar para as tardes de uma infância repleta de filmes de aventura que encantavam com sua energia, e estimulavam nossas mentes férteis e curiosas com toda sua fantasia. Os live-action clássicos das Tartarugas Ninja são simples e sem pretensão alguma. Seus argumentos até tocam alguns conceitos interessantes, como a procura por identidade, a luta por reconhecimento e o envolvimento de jovens com o crime organizado, mas tudo o que o filme aborda com seu texto, é desenvolvido de forma extremamente simples, descomplicada e besta. A verdade é que Tartarugas Ninja dos anos 90 é nada mais que uma grande e divertida brincadeira.
Os dois primeiros filmes são muito parecidos, e funcionam muito bem se emendados em uma maratona sem pausas. A identidade visual é a mesma, há piadas repetidas que referenciam a si mesmas, e até dinâmicas de personagens secundárias semelhantes. Ao tratamento dado às personagens de apoio, um exemplo: no filme de estreia, há Danny (Michael Turney), um menino “negligenciado” por seu pai, que se envolve com o Clã do Pé, organização da qual as Tartarugas combatem, para depois vir a se encontrar com os quatro irmão mutantes. Assim, o menino serve como um elo importante entre os dois núcleos, que ajuda os heróis na sua missão de vencer o mal. O menino é um rebelde sem causa, um legítimo playboy birrento que não tem do que reclamar e se mete em encrencas apenas para chamar a atenção. Entretanto, sua colaboração para com as Tartarugas e o andamento do argumento em si é significativa, então passamos pano para o bonitinho. Já no segundo filme, temos outro menino envolvido na aventura do quarteto: o entregador de pizza e artista marcial, Keno (Ernie Reyes Jr.). O menino entra na história do nada, e sua participação, diferente da de Danny, não faz a menor diferença na trama. O garoto chega a parecer servir para alguma coisa quando é utilizado para se infiltrar no Clã do Pé, mas a ideia deixa de ter sentido quando Raphael, a Tartaruga Ninja de cabeça quente, acompanha o rapaz. Não seria mais fácil apenas infiltrar-se sozinho, sem a ajuda do rapaz? Enfim, pelo menos, Keno, além de seu enorme carisma, garante ótimas cenas de luta, muito mais elaboradas e entusiasmantes que as que os irmãos mascarados entrega., uma vez que não conta com as limitantes fantasias de tartaruga.
Um dos filmes trabalha bem o elemento exemplificado, o outro nem tanto. Mas a semelhança está na proximidade buscada pela personagem humana e jovem inserida na aventura. Ambos os meninos servem como um avatar para que a criança que assiste aos filmes possa se imaginar naquele mundo. Pois, por mais legais e jovens que as Tartarugas Ninja sejam, elas ainda são bonecões de borracha com expressões faciais limitadas. Bem feitas e impressionantes, sim. Mas limitadas.
Há também uma tentativa de apelo para o público feminino, que não é o alvo da franquia. April O’neal chega com presença no primeiro filme da trilogia, sendo importante peça para o andamento da trama, e ganhando até um gratuíto e esteriotipado relacionamento amoroso. Todavia, com as sequências, a personagem perde força, deixando os holofotes para os quatro irmãos. É engraçado que a perda de importância da personagem esteja em sincronia com a mudança de atriz ocorrida do primeiro para o segundo filme. Digo isso pois a primeira atriz, Judith Hoag, é muito melhor que sua substituta, a atriz Paige Turco. Teorizo que a personagem possa ter sido rebaixada pela baixa qualidade do trabalho de Turco. Ela é, sem exagero algum, péssima!
Mas o mais importante, é claro, são as Tartarugas Ninja. Os quatro irmãos são grandes ninjas dotados de habilidades incríveis. Porém, o que os faz brilhar é sua dinâmica juntos, seja lutando, brincando, ou simplesmente comendo pizza, sua refeição favorita! Pois é isso que torna as Tartarugas Ninja tão cativantes para o público infantil: acima de suas mutações ou artes marciais, elas são jovens. Garotos imaturos, cheios de curiosidade para explorar o mundo em que vivem, e energia de sobra para gastar.
E, por mais que sejam quatro personagens de borracha, o trabalho magnífico de Jim Henson, nada menos que criador dos Muppets, aqui responsável pelos animatrônicos e fantasias, é capaz de fazer dos visuais fantásticos algo orgânico, pelo menos em relação ao mundo fantasioso da franquia. É que o universo das Tartarugas Ninja nos cinemas funciona como uma mescla entre a realidade e a imaginação infantil. Os cenários são, em geral, realistas. Mas mesmo nos mais sóbrios sets dos filmes, há sempre elementos divertidos que nos trazem de volta para a diversão e fantasia de uma realidade onde tartarugas se tornam seres mutantes dotadas de habilidades ninja.
E quanto ao filme ruim da franquia? Pois bem, a verdade é que nada além das personalidades divertidas dos quatro irmãos se salva no filme que encerra a trilogia. Isso mesmo, nem as fantasias dos heróis. No terceiro filme, as fantasias convincentes, quase orgânicas dos protagonistas, dão lugar a fantasias que mais parecem brinquedos de plástico em proporções humanas. Toda a preocupação em fazer das Tartarugas Ninja personagens minimamente críveis, é substituída pela ideia de fazer delas protagonistas mais coloridas, brilhantes. O que não posso dizer é que tal escolha não é coesa com o filme, uma vez que toda a atmosfera do longa é muito mais colorida e limpa do que a dos anteriores. Entretanto, ainda que coeso, me nego a aceitar que seja a abordagem certa para representar quatro mutantes que vivem escondidos no subsolo de Nova Iorque, às sombras da humanidade. Entretanto, o que mais incomoda é a baixa na qualidade dos animatrônicos que garantem expressões aos quatro irmãos. Raphael, Leonardo, Donatello e Michelangelo não exprimem mais as emoções que ostentavam nos dois primeiros filmes, e há um motivo para isso. Jim Henson faleceu antes da estreia do segundo volume da franquia. O gênio por trás de toda a magia do universo TMNT no cinema se foi, e sua influência fez muita falta em TMNT 3.
Porém há maiores problemas do que os visuais das personagens no filme. Para começar, deixam de lado qualquer vilão consagrado da franquia, e trazem como antagonista um imperador japonês. As Tartarugas Ninja agora não agem em Nova Iorque, e sim no Japão feudal, devido à uma viagem no tempo, e lá, se vêem inseridas no meio de uma guerra civil entre o império e camponeses rebeldes. Nada do que acontece no novo cenário faz sentido, e os quatro irmãos não tem nenhum motivo para lá estarem, além do acaso. É, o filme é uma completa bagunça, repleta de samurais lutando esgrima com katanas.
TMNT 3 é uma desgraça, mas, ainda assim, a experiência de voltar aos anos 90 e conferir a trilogia clássica das Tartarugas Ninja foi extremamente prazerosa. Viver a nostalgia é sempre bom, principalmente acompanhado de um universo e personagens tão carismáticas e vivas quanto as que encontramos na franquia Tartarugas Ninja. Jovens tartarugas mutantes mestrandas em artes marciais por um mestre rato, que enfrentam uma organização criminosa japonesa chamada Clã do Pé. Me diga que isso não soa divertido, e terei certeza de que a criança em ti já não existe mais (o que é uma pena).