Top Gun, de 1986, é um filme que marca uma geração, ao mesmo tempo que encapsula todos os elementos que definem os anos 80. Cheio de corpos suados e musculados, óculos escuros, motorizadas, estilosos cortes de cabelo, one-liners, romance cheesy e até algum machismo (o que obviamente não envelheceu bem), é um filme que entretém como poucos, embora suportando num argumento bastante frágil. É um filme impossível de dizer que é cinematograficamente uma obra-prima, mas é também quase tão improvável que alguém não se divirta ao assisti-lo. Esqueci-me do principal? Talvez. As acrobacias aéreas dão o mote a este filme e elas nunca foram tão espetaculares quanto nas mãos de Tom Cruise, que aqui nasceu como estrela de ação para o cinema como o piloto Maverick (já antes tinha despontado num outro género, com Risky Business). Estrela intemporal e intergeracional, eu diria.
36 anos se passaram e uma sequela – que Tom Cruise parecia querer evitar – finalmente chega às salas de cinema. E valeu bem a pena a espera! Se Top Gun será sempre um marco pelo que representou e pela influência cultural que viria a ter, Top Gun: Maverick é uma verdadeira obra de cinema. Continua a ser um blockbuster, continua a ter muitas das características que marcaram o filme original – até algum azeite! – mas, tal como Maverick, é um produto muito mais maduro, muito consciente do seu legado, ressuscitando tudo o que de bom fez e adicionando-lhe novas camadas. Como filme de ação, esta sequela bate o filme original de forma até humilhante, com sequências de aviação estupidamente boas e excitantes, incluindo ataques aéreos a alvos rivais e combates pela sobrevivência. O enredo é também bastante superior e entrelaçado com a obra original. A construção de personagens é bem elaborada e, claro, maravilha em todas as componentes técnicas, com uma bonita cinematografia e uma edição, que além de vistosa, é bastante eficiente, garantindo cortes e transições tão eficazes que o filme rola quase como se o tempo voasse de tão orgânico que tudo parece.
Nesta história, onde Maverick é agora instrutor para pilotos que já se graduaram no programa Top Gun, Tom Cruise mostra também ter consciência do que é e ainda pode fazer, ao mesmo tempo que reconhece que a idade está a passar, notando-se claramente o seu amadurecimento não só pela idade de Maverick, mas também pela forma inteligente como atua, envolvendo muitas nuances. Não será um papel que lhe dará muitos prémios, mas será um dos papéis mais convincentes e importantes para entrarmos numa potencial nova fase de auto-reconhecimento do astro de ação, provavelmente a maior estrela do cinema atual. Quer com isto dizer que Tom Cruise está a terminar a sua carreira de ação? Nada disso! Ele volta a demonstrar estar num patamar só seu, tendo o carisma necessário para continuar por vários anos, embora mais amadurecido.
Top Gun: Maverick é também um filme que, sendo uma obra superior, sabe muito bem como reconhecer o legado e homenagear a obra mãe sempre que pode. Os fãs irão delirar com as referências a vários episódios que conhecemos e com a bela continuidade que é dada (grande Val Kilmer!), com personagens como Iceman ou o malogrado Goose sempre em destaque. Olhando sempre para esse passado, este novo Top Gun é também bastante bem-sucedido na introdução de novas personagens e na forma como as constrói. Jennifer Connelly no papel de Penny funciona como um muito mais interessante interesse amoroso para Maverick e Jon Hamm tem o que é preciso para interpretar o típico militar de alta patente que não pode com Maverick, embora saiba o quão bom ele é. Se estes veteranos estão a um excelente nível, há um espetacular grupo de novos formandos – novos valores de Hollywood – que têm um enorme destaque. Monica Barbaro é uma boa surpresa, com imenso carisma e Glen Powell assenta muita bem naquela personagem mais arrogante e convencida – …tal como Maverick? – que pensa que já sabe tudo, mas que nos faz torcer por ele. No entanto, é Miles Teller – o rapaz de Whiplash, onde até me irritou um pouco – que brilha através de uma interpretação dramática que encaixa cirurgicamente num arco de personagem muito bem construído.
Uma nota final para a tensão criada e para os níveis de adrenalina que este filme permite atingir, principalmente no seu perfeito terceiro ato. A minha perna não parou de tremer durante toda a sua duração e várias foram as vezes que me senti totalmente absorvido pela ação, torcendo pelas personagens como se lá mesmo estivesse. A já referida edição e os excelentes efeitos práticos e especiais contribuem em muito para tal, mas é impossível não referir o potente som projetado pelas colunas que nos deixa totalmente colados aos nossos assentos. Quanto à banda sonora? Quase tão marcante quanto a original, com direito a vários clássicos (desde os créditos iniciais!), trazendo-nos também um novo tema de Lady Gaga. Quando esta música – Hold My Hand – começa a tocar nas cenas finais do filme, enche-nos o coração e percebemos o quão bem encaixa num filme que é simultaneamente dos anos 80 e da atualidade, um filme intemporal.
Só podemos agradecer a Joseph Kosinski por, de uma forma tão fluida, dirigir todos estes elementos e juntá-los sob a forma de uma realização tão segura e convincente que nunca chega a parecer uma forçada forma de ganhar dinheiro – tarefa que era bem difícil para uma sequela tão distante temporalmente do filme original. Há aqui um pouco de Tony Scott – o já falecido realizador do original – mas isto é, acima de tudo, um filme de Kosinski com toda a sua identidade bem vincada.
Surpreendidos? Felizmente, também eu. Assente numa magnífica edição, excelente componente sonora e grandes momentos de ação, é também nas suas personagens e guião que Top Gun: Maverick faz a diferença. Não só é melhor do que o original, como também é o melhor blockbuster de ação em muitos anos, provando que o género não tem que ser sinónimo de escrita preguiçosa.
