Há algo de mágico nas produções da Pixar. Algo que vai além dos visuais lindos e narrativas emocionantes. Os filmes do estúdio conseguem a proeza de cativar tanto o público infantil quanto o adulto, em um mesmo nível, pois escolhem para suas tramas tópicos complexos e profundos, condensam isso em analogias e/ou personificações divertidas e simplórias dos mesmos, e então, usam dessas ferramentas narrativas para abordar sutilezas ainda mais complexas e profundas inerentes em tais tópicos que, caso fossem trabalhados por profissionais menos atentos e dedicados, seriam ignorados.
Em Inside Out (Divertida Mente), por exemplo, a proposta é discutir a mente humana. Para isso, acompanhamos cinco avatares que personificam diferentes sentimentos da protagonista: Raiva, Medo, Nojinho, Tristeza e Alegria. Esses avatares são carismáticos e servem de grande alívio cômico para o filme, entretanto, ao mesmo tempo que divertem o público, conduzem a narrativa por uma história sobre memória, depressão, e, o mais importante, a necessidade de aceitar nossos sentimentos negativos, aprender a lidar com eles e evitar reprimi-los.
Turning Red (Red: Crescer é uma Fera) segue por um caminho semelhante ao de Inside Out, onde temos a personificação dos sentimentos da personagem principal como o foco da história. O que difere esse longa do de 2015 é que, agora, esses sentimentos são externalizados.
Meilin é uma adolescente que, da noite pro dia, se transforma em um gigante panda vermelho! Com a ajuda de suas amigas e a tutela rigorosa de sua mãe, ela deve aprender a lidar com essa nova e assustadora realidade.
Está aí. Mais um coming of age, outra história sobre as dores do crescimento. Um tema genérico usado por cineastas à exaustão, envolvido por uma metáfora óbvia e sem graça, certo?
Errado! Turning Red pode não ter um plot muito original, mas o que Domee Shi (realizadora e argumentista) e Julia Cho (argumentista) fazem com essa ideia é exemplar.
O panda vermelho representa mais do que a dificuldade de lidar com as mudanças do corpo. Ele é um símbolo de frustração; de menstruação; de tesão; de auto-estima; de confusão; de descoberta. O panda é o símbolo do amor de Meilin por suas amigas elevado a enésima potência; da excitação de sentir o arrepiar de uma atração sexual; da raiva descontrolada engatilhada por uma provocação estúpida; do ser reprimido por uma criação conservadora e autoritária.
Há muito o que vislumbrar e sentir em Turning Red. O ritmo do filme é frenético do início ao fim e a representação da amizade entre Meilin e suas colegas é de deixar um sorriso no rosto durante quase toda a duração do longa. Essas meninas são autênticas, divertidas e únicas. São o coração do filme. Por conta delas, Turning Red não só é divertido, como é o filme mais engraçado já produzido pela Pixar!
Outra relação importantíssima para a trama é a maternal. A real complexidade do filme mora aqui, nesse relacionamento carregado de afeto, cobranças, decepções e, é claro, amor. Tal núcleo funciona pois é duro, e é duro pois é real.
E por falar em realidade, o que dizer do que é insinuado e nunca chega a ser verbalizado ou mostrado de forma a se oficializar, como muitas coisas na nossa vida? Por exemplo, uma implicância que pode ter origem no amor ou singelas demonstrações de atração pelo mesmo sexo. Essas situações inseridas nos subtextos do argumento só fazem enriquecer a animação e elevam ainda mais a qualidade do produto final.
Produto esse que finaliza sua história com um terceiro ato grandioso e surpreendentemente bem estruturado em termos de ação. Não é exagero dizer que Turning Red, em um terço de filme, faz muito mais e muito melhor que vários filmes de super-heróis por aí!
E, assim, mais uma vez a Pixar nos presenteia com um trabalho magnífico. Turning Red é extremamente divertido, visualmente deslumbrante e emocionalmente complexo. É uma experiência arrebatadora, que deverá conquistar até mesmo o público mais indiferente.
Obrigado, Domee Shi. Obrigado, Julia Cho. Obrigado, Pixar.
Magnífico