Adoro animações, e sou encantado pela complexa técnica do stop motion. Por isso, quando vi o anúncio de Wendell & Wild na sessão de “novidades a seguir” da Netflix, não pude evitar de ficar empolgado. Principalmente, por se tratar de uma realização de Henry Selick, responsável por filmes aclamados, como Coraline (Coraline e a Porta Secreta) e The Nightmare Before Christmas (O Estranho Mundo de Jack), que são dois dos maiores clássicos deste subgênero de animação. Os visuais pareciam lindos, e o filme demonstrava uma aura aparentemente familiar, mas que continha, ainda assim, certo frescor e identidade própria. Mas será que, no fim, se fez valer a expectativa?
Bom, fez, e não fez. Acontece que Wendell & Wild é sim um bom filme, porém, apesar de ser tecnicamente excelente, deixa muito a desejar no quesito emocional.
Comecemos pelo que há de melhor: os visuais e a realização. Wendell & Wild é deslumbrante do início ao fim! Além de ser extremamente colorido, a produção do filme teve a ótima ideia de criar diferentes abordagens visuais para diferentes atmosferas do universo da animação. Na superfície da Terra, por exemplo, temos uma unidade formal para o visual de tudo. Todos os elementos funcionam a partir de um mesmo princípio. Já no inferno, local do qual boa parte do filme se passa, há uma boa variedade de diferentes abordagens. Os demônios Wendell & Wild, por exemplo, quando no inferno, têm um visual que muito lembra a técnica de colagem. E a divergência entre os modelos pode ser bem percebida quando há uma mudança no visual das duas personagens que emprestam seu nome ao filme, quando a dupla de irmãos adapta seus corpos para o padrão da superfície terrestre. É legal perceber a atenção aos detalhes, e a intenção de situar bem o público nas diferentes atmosferas que o filme ousa se aventurar, demarcando com estilo as personalidades de cada uma delas.
As animações dos bonecos são muito suaves, e, algumas vezes, assustadoramente realistas. Wendell & Wild não se perdeu no vale da estranheza, mas gerou em mim a engraçada inquietação que me fez ponderar constantemente sobre a dificuldade de gerar movimentos tão fluidos. Outro aspecto da realização de Selick que me fez sentir o mesmo é a fotografia. Selick pensou os quadros de seu filme com muita complexidade e inventividade. O homem simplesmente não se importou em passar trabalho, e decidiu dar vida às cenas mais legais e icônicas possíveis. Parabéns para ele, o resultado é bem bonito!
Mas nem tudo são flores em Wendell & Wild.
O lindo stop motion de Henry Selick peca bastante em um fator importante: o argumento. Na cena de abertura, tudo acontece muito rápido. Isso não chega a incomodar, pois a cena é carregada de emoção e choque, trazendo uma dramática que faz tudo funcionar. Entretanto, com o decorrer do filme, alguns eventos parecem correr demais, construindo um ritmo muito confuso. Wendell & Wild parece fugir de cenas que deveria dar mais atenção e, diversas vezes, parece pular entre takes sem a intenção de fazer entender a transição. Digo que parece, pois a edição parece ser, sim, muito bem executada. O problema é que certas cenas passam de forma tão apressada, que não há tempo de absorver com eficiência o que acontece em tela.
O ápice disso tudo é o clímax do filme. Uma completa bagunça. Tudo corria bem até então. Falho, mas bem. Mas, nos momentos finais do longa, quando uma grande ameaça surge, tudo se resolve em segundos, numa sequência de eventos aleatoriamente convenientes e preguiçosos. É simplesmente decepcionante.
Uma das coisas que mais chateia nesse final, é o desperdício de uma das mais promissoras subtramas do filme. Esse elemento é de extrema importância para a resolução do conflito final, e tenho noção disso. Porém, tal elemento é muito mal desenvolvido durante o longa e, ao final, quando ele demonstra seu propósito, seguimos sem entender as motivações por trás da relação desse elemento com a personagem ligada a ele.
E isso é triste, pois a superficialidade do argumento não para por aí. Ao decorrer do filme, descobrimos que Kat (Lyric Ross) é uma “dama infernal”, mas, até o final do longa, não temos uma ideia clara do que realmente seja isso. O pior, é que o filme tinha muito espaço para desenvolver e contextualizar isso, uma vez que a professora de Kat, Sister Helley (Angela Basset) também é uma dama. Helley é uma personagem de grande potencial na trama, porém pouco descobrimos sobre ela, e Helley acaba sendo desperdiçada como um papel raso e sem graça. O mesmo pode-se dizer das motivações dos demônios Wendell & Wild. Conhecemos as personalidades deles e seu objetivo na história, mas os motivos por trás disso são pouco explorados, o que afeta no engajamento com o plot que envolve os dois irmãos. Felizmente, a dupla é muito carismática, e acaba por compensar a falta de envolvimento com seu arco narrativo, com muito humor e carisma.
Enfim, Wendell & Wild é sim um bom filme, apesar de que gostar dele não seja lá uma missão muito simples. A mais nova animação em stop motion de Henry Selick é atraente, tem identidade, mas é também muito falha. É uma decepção, com certeza. Mas jamais um filme ruim.