Um filme sem tempo a perder. Sem grandes apresentações e criando desde a primeira cena uma atmosfera bastante pesada, When Evil Lurks – ou no original Cuando acecha la maldad – quer que o espetador se sinta como num jogo de terror na primeira pessoa. Como reagiriamos se uma série de estranhos eventos se comecassem a suceder a um ritmo alucinante sem que haja uma aparente solução para quebrar esse ciclo?
“God is dead, and the times of churches ended quickly.”
Esta citação poderá inicialmente parece uma metáfora, mas é mesmo o mundo na qual a humanidade se encontra mergulhada, com demónios a possuir pessoas e estas a apenas poderem ser mortas por especialistas de acordo com um muito específico método e instrumento. As regras são nos explicadas de um modo perspicaz e fluído, através de um guião que nos dá tudo sem nunca parecer demasiado expositivo. É um guião que confia no espetador e que recompensa aqueles que procuram todos os mais pequenos pormenores. Também cedo percebemos que aqui ninguém se preocupa com os mais sensíveis a sangue e tripas e que iremos ser chocados várias vezes. Desde o primeiro corpo desmembrado, seguindo por uma incrível cena com cabras e nunca parando no seu ritmo vitorioso retirando de cena toda e qualquer personagem num enorme festival de imprevisibilidade.
No centro da ação, passada num local remoto na Argentina, temos uma família e um homem em específico, Pedro, com muitos pecados e segredos por explicar. Não nos é dado muito nesse campo e nem é preciso. A urgência desta história é total. Aqui não temos pausas para momentos chorosos ou românticos que nunca caem muito bem em momentos de aflição. Aqui há um homem em choque, com a agravante de consigo transportar um enorme sentimento de culpa – não só por se ter afastado da família, como também por ter ajudado a espalhar este mal – mas que quer, acima de tudo, salvar os seus nesta situação de enorme aflição. E só isso importa.
Neste mundo há muitas curiosas regras que ajudam a aumentar a tensão. Não se pode matar o “possuído” com um tiro? Não se pode usar eletricidade? Não se pode mencionar o nome do demónio? Temos que deixar para trás todos os objetos? Não podemos temer a maior ameaça? Tudo ajuda a criar o clima certo que é exponenciado pelos elementos técnicos. A banda-sonora é incrível. Pesada, arranha na garganta, irrita no ouvido, cria arrepios. A fotografia escura e violenta, como todo o filme o é tematicamente. Na edição, os cortes são tão limpos que até fica difícil a um olhar leigo perceber quando é que eles existiram. E no domínio de tudo isto está um realizador que sabe o que quer de todos os seus elementos, incluindo uma câmara que se movimenta de modo também ele assustador. Demián Rugna já nos tinha dado o fascinante Aterrados (2017) e aqui, realizando um filme totalmente diferente, consegue ser igualmente eficaz, independentemente das nossas preferências de sub-género.
Pequenos detalhes impedem esta obra de chegar a um patamar de obra-prima do terror da qual muito se aproximou em determinados momentos. Mas acreditem que eu – mesmo sendo um enorme fã de terror – coloco muitíssimo poucas a esse nível. No mesmo de nível deste filme coloco filmes como A Quiet Place, Friday Conjuring ou até Night of the Living Dead. Filmes que para muitos são absolutas obras-primas, mas que a mim também me incomodaram em pequenos detalhes. Aqui há uma ação da personagem principal que me incomoda e que veio a permitir grande parte da conclusão que tivemos. É ilógica depois de Pedro ter visto o que viu, de ter uma especialista consigo a gritar-lhe ao ouvido e de saber as regras. A personagem tinha-se mostrado inteligente até então – tirando algumas decisões erradas, mas entendíveis tendo em conta o calor da ação – e o próprio filme o tinha sido quando, por exemplo, logo na cena inicial as personagens principais esperam pela luz da dia para explorarem o terreno depois de terem ouvido um tiro de noite. No entanto, não fiquei convencido por essa opção no último ato, ainda que tenha depois proporcionado imagens brilhantes.
Ainda assim, isto é a prova provada de que Demián Rugna é um dos mais entusiasmantes realizadores de terror da atualidade. Dá-nos um filme muito diferente da sua obra anterior, mas consegue, mais uma vez, criar uma atmosfera pesadíssima, ao mesmo tempo que constrói um mundo desesperançoso onde os elementos de choque e surpresa são uma constante. Um mundo tão bem construído que seria incapaz de desdenhar uma sequela.