White Noise e os seus dois filmes

Conhecido por ser um especialista em dramas familiares – como Marriage Story ou The Squid and the Whale – foi com alguma surpresa que o mundo do cinema viu o anúncio deste White Noise de Noah Baumbach. Não se iludam: o filme continua a ter uma grande componente familiar e os seus temas principais giram mesmo à volta disso. No entanto, este também é um filme com uma inesperada componente de ficção científica que envolve um cenário potencialmente apocalíptico, caos e muitas situações absurdas.

O professor Jack (Adam Driver) – especialista em estudos sobre…Adolph Hitler – é uma estrela no seu local de trabalho (apesar de  não ter os conhecimentos que muitos pensam que tem). É, no entanto, alguém que em casa lida com as dificuldades habituais de um chefe de família. A sua esposa, Babette (Greta Gerwig), parece distante e os quatro jovens da casa (dois de um anterior casamento de Jack, um de um anterior casamento de Babette e um fruto da relação entre ambos) têm personalidade muito distintas e exigentes que mal o deixam respirar. No entanto, tudo passa para segundo plano quando um acidente ferroviário perto da sua casa deixa escapar uma nuvem de lixo tóxico que tem o potencial de matar quem entre em contacto com a mesma.

Se a história vos parece rocambolesca é porque…é. Ainda assim vou dizer aquilo que nunca pensei dizer quando li a premissa: Baumbach faz o melhor trabalho no segundo ato, quando isto é um filme-catástrofe em que a família precisa de fazer tudo para sobreviver. Por esta altura o filme faz lembrar grandes blockbusters de ficção científica com um cenário de pânico típico de grandes massas populacionais em fuga. Uma inteligente camada de humor subtil e situações caricatas adensam a trama e fazem-nos torcer por aquela família disfuncional. As personagens principais são boas e complexas, as secundárias intrigantes, o mistério deixa-nos agarrados e…nada.

O terceiro ato de White Noise é um dos maiores tiros ao lado que vi em obras de um conceituado realizador e argumentista. Evitando entrar no campo dos spoilers, posso dizer que toda a tensão do 2º ato é deixada para trás e o filme entra numa estranha espiral depressivo-dependente que se adequa aos temas do mesmo, mas que não se adequa ao filme que se foi construindo nas nossas cabeças. White Noise é baseado num livro e não sei até que ponto o mesmo acontece na obra em questão. Sei, no entanto, que em tela não resulta. Sente-se que o topo da montanha foi atingido lá atrás. Sente-se que a obra teve o seu pique no 2º ato e que o que observamos não é mais do que um longo, desconexo e aborrecido epílogo. Por muito que tematicamente esta sempre tenha sido a ideia do argumentista, a verdade é que nos levou por uma diferente direção e deu-nos algo mais satisfatório até aí. Nada de errado com plot twists ou com mudanças de género a meio da obra – From Dusk Till Dawn; Million Dollar Baby; Titanic…exemplos não faltam de obras que resultam a mudar drasticamente o seu género – mas esta mudança deverá ser para algo com um maior impacto, seja emocional, seja a nível de ação. Nada disso acontece aqui. Aqui caímos quase num vazio. Um filme totalmente diferente que em nada é melhor do que o que vimos até então.

Tecnicamente, este é o filme mais vistoso e ambicioso de Baumbach. Diz-se que a Netflix terá gasto qualquer coisa como 100M de dólares norte-americanos na produção deste filme. Muito disso terá sido gasto naquele divertido e grandioso segundo ato. É um filme com uma bonita fotografia, é um filme onde Baumbach procura ser diferente, com interessantes planos e filmando a ação como nunca o fez. Mas nós não vemos um filme de Baumbach por isso. Vemos pelas relações familiares, pelo diálogo, pelas acções não faladas. E aí White Noise não é um sucesso. Se o primeiro ato é estranho com algum bom diálogo, embora, por vezes, desconexo; no segundo ato tudo resulta precisamente por não parecermos estar num filme de Baumbach. O terceiro ato volta a explorar a fundo as relações familiares e temas complexos – como a morte – mas cai num marasmo total, em reflexões pouco profundas que nos provocam uma inesperada apatia.

Percebo a ambição de Baumbach. Isto é bem diferente daquilo a que nos habituou, mas é curioso que o filme resulte melhor quando procura emular um blockbuster à Spielberg num explosivo e fascinante segundo ato do que quando procura aprofundar as suas fortes temáticas. Chamar desapontante ao terceiro ato é ser simpático.


White Noise
Ruído Branco

ANO: 2022

PAÍS: EUA

DURAÇÃO: 136 minutos

REALIZAÇÃO: Noah Baumbach

ELENCO: Adam Driver; Greta Gerwig; Don Cheadle; Jodie Turner-Smith

+INFO: IMDb

White Noise

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