Para não variar, a Netflix pega em qualquer coisa de remota qualidade até tropeçar num Malcolm and Marie desta vida. Windfall tentou fazer isso a três e falhou. Jason Segel não é actor, mas é um dos nomes que bancou o projecto. Talvez a visita inesperada foi mesmo a dele neste filme.
Uma estrela vai para a fotografia. Planos de muito bom gosto, o grão campestre, a luminosidade tépida, a edição cuidada e a serviço do ritmo e tom geral da trama. Os detalhes de que a imagem conta uma história pela mera colocação dos protagonistas numa posição propositada não foi passada despercebida por mim, que saiba-se lá como, só peguei no telemóvel umas duas vezes para ver as horas ou se recebi alguma mensagem das Forças Armadas para defender as fronteiras, enfim, algo que justificasse tirar-me de ver o resto disto, que lá me aguentou por ser apenas pouco mais de 1h30.
A outra estrela vai para a banda-sonora. O clarinete trabalhou a valer. O contra-baixo sustentou muito bem a tensão e volte-faces. É possível fazer-se imenso com pouco, de propósito, e sem querer, carregar um filme. Muito bem.
Jesse Plemons é o actor do filme. O hype em torno do ruivo meio sociopata, mas com um estranho senso de moralidade de Breaking Bad não foi infundado. Este é o melhor papel que o vejo desempenhar, mesmo não conhecendo toda a sua filmografia – The Power of the Dog não é para aqui chamado! Talvez se tenha inspirado a dar tanto pelo cenário campestre com laivos de Arizona ou Novo México pela presença de cactos, laranjeiras e áreas montanhosas ao longe, com francamente mais agradável flora de costa vicentina. Saiu muito bem.
Já o Jason Segel tentou, e tentou, e juro que tentou porque se notou o esforço, mas não conseguiu. Foi irritantemente medíocre. Só se safa uma cena. UMA. Manuel Serrão pode descansar em paz porque já tem a resposta que tanto meme seu na internet não se cansou de partilhar.
Tremendamente esquecível foi a filha da Jennifer Connelly com a Maro, encomendada da Wish: a Lily Collins. Jovem, lá porque se lacrimeja, não se é actor de drama. Lá porque não se tem falas, não se deixa de representar. Lá porque se é gira, não se é talentosa, por muito que a tua entidade patronal continue a empurrar analmente essa ideia por décadas a fio. Haverá sempre uma próxima vez.
O enredo… Ninguém nesta história presta, mas expõe-se nessa mesma fragilidade. Positivo. São desenterrados elos a pouco e pouco à medida que o filme avança, para fazer sentido desta gente. Positivo. Só se entendem as motivações de um dos personagens de forma mais clara, por maior exposição e tremendamente destacada prestação dessa personagem. Negativo. Alguns dos elos são muito forçados, pouco clarificados e superficiais acima de tudo. Negativo. A mensagemzinha do homem branco e rico mau aparece. Negativo. A mensagemzinha da opressão já é bem mais contida e subvertida, mas também aparece. Neutro. O fim da sub-história de cada personagem é tremendamente pobre para permitir um final aberto e, por sua vez, do mais inesperado que se possa conceber possível. No fim foi previsível. Negativo.
Pretendeu-se fazer um filme artístico elevado. Os valores de produção apareceram muito bem em algumas áreas, o que no fim me deixa profundamente irritado por das duas uma: se terem desrespeitado tão excelentemente executadas áreas à mercê do enredo atroz e prestações ainda mais pobres, ou que o postal do filme seja essa tão insonsa indefinição, que talvez almeje permitir que qualquer um que o veja se coloque em algum dos papéis, ignorando que nem todos conseguimos imaginar-nos tão ocamente ser um “CEO”, uma “esposa”, um “ninguém”. No fim nunca saberei. Não quero saber. Não quero ter de me lembrar de ter visto isto. Infelizmente vai acontecer porque houve coisas boas e isso incomoda-me muito.