O cinema de terror assume várias formas, não só a nível dos seus sub-géneros, mas também pela forma como cada autor os aborda. Eu adoro a maioria deles eles e há obras atuais – algumas chamadas de “elevação” – que me enchem totalmente as medidas. É, no entanto, impossível desmentir que sinto um carinho especial por aquele terror mais direto e puro feito nas décadas de 70 e 80. E o que é este X? É um slasher que procura misturar tudo o que o terror teve nessa época com muito do que se foi destacando nos últimos anos. E sabem que mais? Isto é muito bom!
Sexo, sensualidade, violência, sangue, escuridão, natureza, uma casa no meio do nada, jovens a fazerem o que não devem…está cá isso tudo! Mas Ti West – que já tinha realizado The Sacrament e The House of the Devil com bastante competência – adiciona a isso umas quantas camadas pouco usuais no cinema dessas décadas. Primeiro, fica claro, desde muito cedo, que não lidamos com personagens estúpidas. E que fácil que seria utilizar personagens “de cartão” e estereotipadas! Pegando num argumento que se baseia na premissa de jovens irem filmar um filme porno no meio do nada sem autorização, seria fácil optar-se por personagens unidimensionais que quase pediriam para ser mortas.
Aqui não há nada disso. Todos os jovens sabem o que são e o que querem ser, não aceitando menos do que o que merecem. Sabem aquela que deveria ser a “loira burra”? Esta – Bobby-Lynne, interpretada por Brittany Snow – ensina ao realizador sabichão qual o melhor ângulo para ele utilizar na primeira cena do seu filme! A santinha do grupo? Posso apenas dizer que o arco de Lorraine, a personagem de Jenna Ortega, é bastante bem conduzido e dá direito a bons momentos de diálogo e de exploração motivacional, enquanto Mia Goth é excelente como a desequilibrada, mas ambiciosa Pearl. Do lado masculino, Kid Cudi é um surpreendente alívio cómico que resulta na perfeição e Martin Henderson como Wayne tem interessantes momentos de “lições de vida” ao mesmo tempo que parece divertir-se bastante a fazer o que sabe fazer: sendo um produtor de filmes de sexo. Pelo meio, ainda temos o aspirante a cineasta de renome que sabe que por algum lado tem que começar caso queira seguir os seus sonhos…e depois há um curioso casal velhinho (com a senhora a ser interpretada…também por Goth!).
Mas se as personagens são excelentemente trabalhadas, muito há também a dizer dos aspetos técnicos deste filme, com alguns traços identitários da produtora/distribuidora A24. No género, opta-se, demasiadas vezes, por elementos genéricos. Aqui, pelo contrário, temos direito a uma deslumbrante fotografia que nos atira de imediato para uma outro década, sem medo de brincar com as suas cores e a sua escuridão. A essa impecável fotografia, junta-se um trabalho de edição incrível, com transições, sobreposições ou cenas divididas no ecrã de um modo inovador e criativo sem retirar o foco do que nos quer mostrar e dizer. De destacar ainda alguns planos absolutamente sensacionais que parecem autênticas pinturas, vários ângulos imaginativos e cenas que a todos irão surpreender pela sua singularidade. Se anteriormente Ti West já havia demonstrado uma boa capacidade de “comandar as tropas”, aqui eleva-se ao patamar de Jordan Peele, Ari Aster, Robert Eggers ou Mike Flanagan, como nomes destacados da fortíssima nova geração do terror.
Há elementos que não resultam tão bem neste filme? Por vezes, a execução das mortes talvez seja um pouco difícil de engolir, mas até aí penso que o filme procurou sempre dar uma certa credibilidade ao que víamos, balanceando com alguns inspirados momentos camp. Quem tem pouca paciência para slow burns, talvez também se queixe de o terror demorar para aparecer. Quem já viu filmes anteriores de West já deve estar preparado para isso e quem não o conhece deve tentar entrar na sua viagem, no seu mundo, sem se preocupar muito em quando o terror vai aparecer. Acreditem, ele vai aparecer.
É difícil apontar falhas a um filme tão bem conseguido e visivelmente feito com tanto amor pelo género. X tem todo o charme do terror dos anos 70 e 80, incorporando elementos estilísticos de enorme qualidade e personagens bastante bem construídas. Recheado de sexo, sangue, violência, bons diálogos, criativas mortes, uma certa dose de loucura e algum alívio cómico, tem todo o potencial para agradar a diferentes públicos. É um novo clássico instantâneo do terror.