Knives Out foi lançado em 2019, com um orçamento de $40M de dólares, faturando $311,9M na bilheteira global. O filme conta a história do 85º aniversário de Harlan Thrombey, um escritor famoso que é encontrado morto e a partir daí vemos o desenrolar da investigação por parte do detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) de forma a descobrir o que realmente aconteceu naquela noite. Esta edição de “Revisualizando” tem spoilers. Se ainda não viram o filme, ficam avisados.
Knives Out não demora a mostrar-se. Em poucos minutos, o filme já nos apresenta o seu tema e para o que vem. É uma experiência imersiva que te insere nesse mundo de maneira suave e leve, com o guião de Rian Johnson a revelar-nos as personagens e a sua importância para a história. A imersividade desta experiência deve-se a vários fatores como, por exemplo, a composição musical, que é um fator importantíssimo no género de suspense. As músicas do filme são, maioritariamente, compostas por orquestras inteiras de cordas, instrumentos que costumam ser caros e bastantes complicados, tal como a família que acompanhamos. São estes os elementos que nos colocam dentro da história. Outro elemento que brilha neste filme é a montagem e isso é bem revelatório na cena de interrogatório nos primeiros minutos. A montagem mistura muito bem as perguntas e respostas de todos, existindo até um momento em que o filme nos dá a entender que Benoit Blanc faz uma pergunta a Richard, mas, na verdade, quem nos responde é Linda. É também na montagem que é feito um trabalho excecional de mixagem do presente com o passado de forma subtil, sem nenhuma transição. Inicialmente, isto pode parecer confuso, mas quando nós, espetadores, nos habituamos, a montagem toca uma melodia quase perfeita, sendo esta imersão temporal também resultado de uma cinematografia simples, que faz o seu trabalho.
Knives Out é um filme bastante beneficiado pelas suas referências e pistas subtis. Algumas delas só são possíveis de vislumbrar depois de revisualizações do filme, uma vez que, inicialmente, elas nos são dadas sem entedermos o significado das mesmas para o desfecho da história. Um exemplo claro disso é a segunda cena em que vemos Marta. Nesta cena, a sua irmá está a ver uma série em que uma das personagens acusa outra de ter assassinado um terceiro elemento. Marta aparenta algum transtorno e a mãe pede para se desligar o vídeo, justificando que, como Marta perdeu um amigo, a temática da “morte” pode atormentá-la. Mais tarde é-nos revelado que, na verdade, Marta está transtornada por ter matado Harlan, estando a ver-se na situação do homem da novela que foi acusado, temendo que o mesmo viesse a acontecer com ela, caso a família descobrisse. Um artificio bastante comum são as referências a livros ao longo de todo o filme, o que pode ter uma conexão com o personagem Harlan, que é um célebre escritor de livros de investigação criminal. O facto de Harlan ser um escritor pode também explicar o conhecimento que demonstrou ao criar o plano de fuga de Marta. Uma das pistas que o filme nos deixa e que só percebemos mais tarde é a da fala da mãe do Harlan, que quando vê Marta a descer pela escada de incêndio diz “Ramson”(…) “Are you back again, already?”. Com esta fala, o filme dá-nos o nome do assassino, mas como não tínhamos todas as informações, este detalhe passa despercebido até que Benoit Blanc volta a tocar nessa cena e aí tudo fica claro.
Rian Johnson criou de forma excecional um mistério intrigante e cheio de reviravoltas que te deixam colados ao ecrã e que não te deixam desviar a atenção, pois se o fizeres podes perder reviravoltas essenciais para a história. Começamos o filme com o conhecimento de que Marta trocou os frascos e deu a dosagem do remédio errado ao Harlan, desencadeando um monte de eventos em cadeia, tais como a morte inevitável de Harlan e a fuga elaborada, mas falhada, de Marta. Ao longo do filme, são nos dados milhões de detalhes, seja a aliança entre Marta e Ramson, sejam as cartas ou até o incêndio no centro de análise. Este pequenos – ou grandes – detalhes vão criando um autêntico puzzle na cabeça do espetador e das próprias personagens. Chega uma altura em que sentimos que completamos o puzzle, mas vindo do nada (no que é para mim, uma das melhores cenas de revelação dos últimos anos, superando qualquer cena do género na série do Sherlock) o puzzle inverte e o detetive Blanc inverte o jogo numa volta de 180 graus. No fim, ficamos a saber que, afinal, Ramson trocou os rótulos e retirou o antídoto, mas devido à experiência de Marta, esta reparou na viscosidade dos fracos e deu a dose certa. Ou seja, a causa da morte do Harlan foi, sim, suicídio, teoria que Blanc procurou refutar durante todo o filme. Na cena final ficamos a descobrir que Ramson quis, sim, matar Harlan, mas a meio dessa cena descobrimos que, afinal, Harlan suicidou-se devido à experiência de Marta. Numa só cena, o filme conseguiu mudar por inteiro. E que cena! Filmada de forma incrível, com a ida e volta de flashbacks e atuações excecionais.
Elencos cheios de astros não costumam resultar, mas este filme não é a maioria. Todo este elenco apresenta uma química de beijar aos céus. Quero começar por destacar uma dupla: Harlan (Richard Drysdale) e Marta (Ana de Armas), que criam uma relação afetuosa que transborda da tela. Richard Drysdale consegue transmitir nas suas poucas cenas com Ana, um Harlan que necessita de companhia, utilizando de maneira metafórica Marta como um escapismo para a sua família, desabafando de modo sincero. Já Ana de Armas, constrói uma personagem muito amorosa e amigável que condiz com as necessidades de Harlan. Mas a composição de Ana de Armas também nos mostra, em determinadas cenas, uma Marta bastante assertiva e direta. Destacar também, claro, Daniel Craig como o detetive Benoit Blanc. Daniel dá à personagem um ar misterioso, bastante intelectual, atento a cada detalhe, e, de certa forma, manipulador. Afinal, ele sabia do envolvimento de Marta na morte de Harlan, mas nada disse pois queria levar o jogo até ao final. Outro destaque é Chris Evans, que tem neste filme o meu papel favorito dele, com uma personagem bastante atadinha, mas, ao mesmo tempo, esquemática e ameaçadora. De qualquer forma, no geral, todos os atores estão nos seus devidos lugares, cada uma deles fazendo o seu papel de maneira excecional.
Sinto que, tanto em 2022, como em 2023, filmes e séries parecem sentir necessidade de fazer críticas sociais inteligentes de maneira forçada e sem qualquer encaixe para a história do filme, mas Knives Outs não é bem assim, pois tudo encaixa na perfeição. O filme carrega inúmeras mensagens sociais, sendo a mais marcante o aproveitamento e a chulice que podemos encontrar representadas na família de Harlan. Uma outra mini-crítica, segundo Harlan, é em relação ao sentido natural do homem em estragar tudo, referindo-se, no caso, à traição que Linda sofre de Richard. Também há a mensagem sobre imigração, bastante presente no núcleo de Marta devido à sua mãe ser uma imigrante ilegal em risco de ser deportada. Esta e outras críticas à sociedade moderna são inseridas de maneira exepcional e de forma natural.
Este filme é, muito provavelmente, um dos meus filmes favoritos de suspense e investigação criminal de sempre, devendo estar no meu Top-10 acompanhado, por exemplo de “Os Intocáveis” (1987), entre outras obras de peso. Se tivesse de apontar algumas falhas ao filme, uma delas é a da última cena, onde vemos a Marta a subir à varanda enquanto a família olha com desdém. Eu queria ver nessa cena uma família destruída e não é o que eu sinto. Acho que o guião poderia ter criado um núcleo só focado na exposição que o Harlan faz dos membros da sua família mesmo após a morte, tal como faz com a Linda e o Richard. Para complementar a cena, poderia ter feito um esquema que, de uma maneira ou de outra, tudo era revelado e, de certa maneira, em vez de todos olharem, ao lado uns dos outros, para Marta, cada um olhava para o seu canto, todos separados. Felizmente o segundo filme tem uma cena de revelação de esquemas e de interesses. Outra falha que aponto ao filme é a falta de desenvolvimento da cena das cartas, considerando que se tivesse tido mais tempo de desenvolvimento, a revelação final seria ainda mais chocante.
Knives Out é um filme de suspense glamoroso. Com um desenvolvimento narrativo rápido, que é o resultado da composição musical, da montagem, uma fotografia de beijar aos céus e uma realização que conduz esta harmonia no tom certo. O filme tem reviravoltas mirabolantes que te obrigam a estar 100% focado no filme, o que não vai ser tarefa difícil graças ao elenco carismático e às mensagens que o filme te vai dando, que te ajudam a entrar num dos melhores filmes de suspense dos últimos tempos.